Introdução

No passado dia 16 de Março, subiu a debate na Assembleia da República (AR), a proposta de projeto-lei do Governo (PPL 62/XIII), sobre a descentralização para as autarquias locais. Igualmente, o grupo parlamentar (GP) do PCP apresentou, sobre a mesma matéria, uma proposta de projeto lei-quadro (PL 442/XIII – 2.ª), «que estabelece as condições e requisitos de transferência de atribuições e competências para as autarquias locais». A par destas iniciativas, ocorreram outras, cujo o resultado, após o referido debate, foi o de baixarem à comissão de Ambiente, Ordenamento do Território, Descentralização, Poder Local e Habitação, que terá 90 dias para desenvolver os seus trabalhos sobre tais matérias.

Neste artigo, procuraremos reflectir sobre a descentralização para as autarquias das competências na área da educação, mas não sem antes deixarmos de fazer um breve enquadramento do tema.

 

Enquadramento

Com efeito, sem pretender recuar muito no tempo, e socorrendo-nos do que, desde há 10 anos a esta parte, tem estado em debate nos congressos da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP), diremos que desde 2007 até 2015 (congresso da ANMP, em Tróia), diremos que a educação surge a par de outros, como dos principais temas em reflexão.

O congresso de 2007 analisou a transferência de competências nas áreas da educação pré-escolar; das AEC; transportes escolares; parque escolar (2.º e 3.º ciclos do ensino básico); acção social escolar (2.º e 3.º ciclos do ensino básico), gestão de pessoal não docente, etc. O congresso de 2009 tratou de analisar criticamente a aplicação do DL 144/2008 de 12 de Julho. O congresso de 2013 tratou em particular dos contratos de execução à luz da aplicação do DL 144/2008 de 12 de Julho, e exigiu a sua revogação. O Congresso de 2015 fez um balanço sobre os encargos dos municípios com a educação e perspectivou os impactos dos contratos inter-admnistrativos que viriam a ser assinados com 15 municípios em Julho de 2015.

Nesta última iniciativa, foram dados a conhecer os encargos financeiros que municípios tiveram «…na aducação, no exercício de competências da administração central, no período compreendido entre 2009 e 2014, de cerca de 654 milhões de euros». Segundo a mesma fonte, «…este volume de investimento realizado pelos Municípios Portugueses na Educação em substituição à tutela, foi despendido, em pessoal não docente (58%); necessidades educativas especiais (34%), transportes escolares (7%) e em outras funções (1%)».

 

Proposta de lei do Governo de descentralização para as autarquias e a educação

Agora, estamos perante uma proposta do governo PS, que na área da educação procura transferir (artigo 11.º), para os municípios, competências «…no participar no planeamento, na gestão e na realização de investimentos relativos aos estabelecimentos públicos de educação e de ensino integrados na rede pública dos 2.º e 3.º ciclos do ensino básico, secundário, incluindo o profissional, nomeadamente na sua construção, equipamento e manutenção». E ainda, «…no que se refere à rede pública de educação pré-escolar e de ensino básico e secundário, incluindo o ensino profissional:

  • Assegurar as refeições escolares e a gestão dos refeitórios escolares;
  • Apoiar as crianças e os alunos no domínio da ação social escolar;
  • Participar na gestão dos recursos educativos;
  • Promover o cumprimento da escolaridade obrigatória;
  • Participar na organização da segurança escolar.»

Afirmando-se, para concluir, que as «…competências previstas no presente artigo são exercidas no respeito das competências dos órgãos de gestão dos agrupamentos de escolas e escolas não agrupadas».

 

Preocupações e propostas do PCP

Havendo a preocupação em se saber, tal como foi referido pela deputada Paula Santos do PCP, durante o debate na AR, que «garantias dá o Governo de que este processo de transferência de competências não é mais do mesmo?», isto porque segundo o PCP, a avaliação feita, em relação às anteriores transferências de competências, é bastante negativa e está espelhada nos números divulgados pela ANMP, a este propósito.

Assim, fundado no facto de que «…descentralizar não é sinonimo de desconcentrar nem de delegar….na medida em que o conceito de descentralizar significa o poder de executar mas também de decidir», o PCP apresentou uma proposta de lei-quadro (já identificada), que em síntese visa determinar a garantia de «Preservação da autonomia administrativa, financeira, patrimonial, normativa e organizativa interna das autarquias locais; Garantia de acesso universal aos bens e serviços públicos necessários à efetivação de direitos constitucionais; Coesão nacional, eficiência e eficácia da gestão pública; Unidade do Estado na repartição legal de atribuições entre as entidades públicas e administrativas e a adequação do seu exercício aos níveis de administração central, regional e local; Adequação dos meios às necessidades; Estabilidade de financiamento no exercício das atribuições que lhes estão cometidas».

Isto porque, segundo a proposta do GP do PCP, «Num processo de transferência de competências deverá ser demonstrado que: O exercício de novas competências deve sempre corresponder a uma melhoria do serviço prestado às populações a quem se dirigem; Qualquer competência transferida tem sempre que ser acompanhada dos meios financeiros, patrimoniais e humanos necessários ao adequado exercício da mesma; A nova realidade, resultante das competências transferidas, deve assegurar o equilíbrio do sistema no seu todo, garantindo os direitos e os serviços prestados aos cidadãos; Devem ser evitadas situações que originem cruzamentos ou sobreposições de competências entre os municípios e administração central, respeitando-se a homogeneidade da unidade de gestão a descentralizar; A competência a transferir tem que ser devidamente identificada no seu conceito, definição, conteúdo e objetivos».

A justificação, de todos estes princípios, está sustentada, nas preocupações perante a realidade dos problemas identificados, tanto por parte dos municípios, como pelas organizações de classe dos trabalhadores, em particular dos professores.

 

Preocupações dos municípios e dos professores

Com efeito, dos municípios emergem preocupações em termos do «financiamento e subfinanciamento» das novas competências e da revisão da Lei das Finanças Locais, em face não só do histórico, de todos conhecido, como da realidade actual, bastando para tal, comparar os valores de transferência do Orçamento de Estado (OE) de 2017, em matéria de Fundo Social Municipal (alocado na integra às actividades asseguradas na educação), para verificarmos que os valores transferidos, estão muito aquém dos gastos anuais necessários. Por outro lado, é de todos sabido, a existência da falta e da precarização dos recursos humanos nos estabelecimentos de ensino.

Já no que respeita, às preocupações que surgem do lado das organizações de classe dos professores, em particular da FENPROF (comunicado de 17.2.2017), consideram que  «esta proposta de Lei, a concretizar-se, sê-lo-á à custa da autonomia das escolas e da liberdade pedagógica e profissional dos profissionais da Educação», isto porque, segundo os sindicatos dos professores, «a participação dos municípios na gestão dos recursos educativos (sem especificar quais), a gestão do pessoal não docente e o próprio desenvolvimento das atividades de enriquecimento curricular são domínios que, direta ou indiretamente, amputam autonomia às escolas e agrupamentos».

Assim, segundo o GP do PCP, «um processo de descentralização pressupõe que haja previamente um diagnóstico, um levantamento da situação, prever a evolução, avaliar os impactos, prever as condições», sob pena, tal como foi referido pela deputada Paula Santos, de «não se estar a transferir competências, mas sim encargos».

 

Breves conclusões

Torna-se assim necessário, tal como aprovou o Conselho Geral (CG) da ANMP, na sua reunião de 3 de fevereiro, o desenvolvimento de estudos que identifiquem, «em concreto e em termos globais, qual o património, os recursos humanos e financeiros que estarão envolvidos nesta transferência de competências, propiciando-se, desta forma, às autarquias locais uma informação mais precisa daquilo que se pretende implementar. Não se diga que isso ficará para os decretos-lei setoriais, uma vez que neste momento é absolutamente necessário fazer, em termos globais, tal avaliação, permitindo-se, de tal forma, verificar e estudar o impacto que esta transferência de competências terá nos Municípios».

Afirmando o CG da ANMP, na sua tomada de posição, «que este é um processo onde atribuições, competências, meios financeiros e humanos não podem deixar de constituir uma unidade homogénea e integrada de gestão».

Em síntese, num processo desta natureza, para que seja participativo e verdadeiramente democrático, têm que ser «envolvidas as várias entidades e associações», em particular, neste caso da educação, os municípios, as organizações de classe representativas dos professores e dos trabalhadores e pessoal não docente.

 

 

José Figueira

(sociólogo)