Desconcentração: 1. acto ou efeito de desconcentrar; descentralização; 2. (figurado) falta de concentração; 3. (política) processo administrativo em que se distribui pelas localidades ou entidades locais as atribuições do poder central.
Descentralização: 1. acto ou efeito de descentralizar; afastamento do centro; descentração; 2. (política) processo político que visa a transferência de poderes e competências do poder central para o poder local; 3. dispersão (de algo que estava concentrado).
Regionalização: 1. atribuição de competências (administrativas, políticas ou de ambas as naturezas) a órgãos de soberania de âmbito regional; 2. divisão de um território em circunscrições políticas ou administrativas regionais.
Modelos topológicos do diferentes tipos de funcionamento de redes
Apesar do início do texto indiciar matéria da área da lexicologia, fique descansado o leitor pois não é de todo minha intenção aventurar-me hoje pelos meandros da linguística.
Esta consulta de um dicionário comumente utilizado nas nossas escolas, para além de clarificar três conceitos aparentemente idênticos, serve, sobretudo, como ponto de partida para deixar algumas notas sobre um tema de actualidade, a descentralização, que devia ser objecto de um amplo e inteligente debate público em vez de ficar circunscrito aos corredores e salas do palácio de São Bento ou de servir, como tantas vezes acontece, de arma de arremesso político em função de conjunturais interesses partidários.
Com efeito, o Conselho de Ministros, na sua reunião do passado dia 16 de Fevereiro, aprovou «a proposta de lei que estabelece o quadro de transferência de competências para as autarquias locais e para as entidades intermunicipais, concretizando os princípios da subsidiariedade, da descentralização administrativa e da autonomia do poder local».
«O diploma (…) contempla o alargamento da respetiva participação nos domínios da educação (ensino básico e secundário, respeitando a autonomia pedagógica das escolas), da saúde (cuidados de saúde primários e continuados), da ação social (em coordenação com a rede social), dos transportes, da cultura, da habitação, da proteção civil, do policiamento de proximidade, das áreas portuárias e marítimas, do cadastro rústico e da gestão florestal».
A referida proposta de lei estabelece ainda, no n.º 2 do artigo 4.º, que «A transferência das novas competências será efetuada no ano de 2018 (…). O n.º 3 do mesmo artigo refere que “A concretização das novas competências deverá estar concluída até ao fim do ano de 2021»!
Ora, aqui chegados, eu que sou um acérrimo defensor de um poder mais próximo das pessoas e do princípio da subsidiariedade deveria logicamente tecer loas a tão distinto diploma. Mas não! Confuso, o leitor, com a minha posição aparentemente paradoxal? Eu explico.
Desde logo, porque, depois de lida a proposta de lei e o comunicado do Conselho de Ministros me veio imediatamente à cabeça aquele adágio popular que diz que «quando a esmola é grande o pobre desconfia». Mas, e agora num registo mais sério, o que verdadeiramente me preocupa é que tenho mesmo razões objectivas para desconfiar da bondade dos autores do diploma.
Primeiro, porque todas as transferências de competências do poder central para o poder local se converteram rapidamente em mais um encargo financeiro para as autarquias (atente-se, por exemplo, no caso dos transportes escolares) apesar destas gerirem de forma triplamente mais eficiente que o poder central. Com efeito, um euro de investimento nas autarquias tem o mesmo impacto que três gastos pela administração central.
Segundo, porque o legislador que hoje afirma convictamente na «Exposição de Motivos» que «a transferência de competências carecerá de decretos-lei sectoriais, os quais, além de preverem os recursos humanos, patrimoniais e financeiros necessários para o exercício das mesmas» é o mesmo legislador que, no passado, não foi simplesmente capaz de cumprir a Lei das Finanças Locais! Só este ano, segundo contas da Associação Nacional de Municípios, o poder central arrecadou para si 120 milhões de euros que pertenciam às autarquias.
Terceiro, porque não consegui vislumbrar no diploma a (re)transferência do sector privado para as autarquias da gestão da água e dos resíduos, nem a proibição expressa da sua privatização onde esta ainda é pública, como acontece aqui em Mora. E portanto, aqui está uma competência que as autarquias sempre demonstraram saber gerir com elevada competência, excepto quando, por razões de natureza mais ideológica que financeira, decidiram a sua privatização com os resultados que todos conhecemos: endividamento, facturas elevadíssimas para os munícipes...
Por último, receio que esta descentralização venha colocar em causa a universalidade do serviço público, com cidadãos tratados de forma desigual, e vejamos surgir em alguns dos 278 municípios do continente uma nova espécie de sub-sub-secretários de estado da educação, da saúde, da cultura, da segurança social…
Compreendeu, agora, o leitor porque é que eu defensor da proximidade do poder dos cidadãos e do princípio da subsidiariedade não consigo louvar o presente diploma?
Até porque convém não esquecer que entre o poder central e o poder local, a nossa Constituição da República prevê a existência de um poder regional onde, aí sim, caberia boa parte das competências referidas na proposta de lei.
José Manuel Ribeiro Pinto
(técnico superior da Câmara Municipal de Mora)