O Governo prepara-se para enviar para a Assembleia da República uma proposta de lei-quadro de descentralização de competências, para as autarquias locais, em particular para os municípios.

Desde já deixo uma «declaração de interesses» sobre este tema da descentralização, para afirmar que as autarquias locais nunca rejeitaram a assunção de novas competências, bastando para tal constatar o rol de competências que as autarquias locais, em particular os municípios, já hoje assumem (Lei 159/99 revogada pela 75/2013).

O que se pode verificar pela proposta de le que tem estado em análise e discussão, em vários fora, é que estamos perante uma proposta de verdadeira reconfiguração do Estado.

Neste novo quadro somos levados a colocar três questões primeiras:

  • Que, em face da previsível dimensão dos impactos e das consequências, tal proposta reclama uma avaliação séria e rigorosa;
  • Descentralização e transferência de competências não são sinónimos, pois a descentralização envolve não apenas o poder de executar e pagar, mas também indispensavelmente, o poder de decidir;
  • Uma lei de tal natureza, obriga à enunciação de princípios, a definição de critérios e a identificação de meios que deverão ser disponibilizados num processo de transferenciais.

Ora, o que nós verificamos, é da verificada ausência de elementos para uma decisão responsável. Com efeito, é o próprio Conselho Geral da Associação Nacional de Municípios Portugueses (órgão que reúne entre congressos), que na deliberação aprovada na sua reunião do passado dia 3 de fevereiro, refere que «(…) não existe (…) trabalho minimamente consolidado sobre as diversas vertentes das áreas suscetíveis de serem descentralizadas (…)».

Se esta é uma constatação de como a lei-quadro da descentralização está sendo preparada, não é menos verdade, que competências sem meios são novos encargos. E, não se venha com os argumentos de proximidade que as autarquias locais possuem (isso já todos nós sabemos desde a sua emergência democrática, no pós-25 de Abril de 1974), a par de um outro conjunto de argumentação fundada no conceito da subsidiariedade e/ou de uma maior ou melhor rentabilização da aplicação dos recursos, argumentos que são agora não inocentemente repetidos. Pois nada nos admiraria que tais fundamentos não tivessem o fim de virem a ser utilizados para serem disponibilizados menos meios aos necessários e exigíveis.

Por outro lado, sobre a última questão enunciada, fundamenta-se no facto da versão da proposta de lei-quadro mais não ser do que um arrazoado de competências, muitas delas repetitivas quanto às que já hoje os municípios exercem, e em nenhum momento se vislumbra no texto da proposta a «(…) aproximação a critérios ou previsões de meios e outras condições de exercício (…)», que afastem a implementação de duplas tutelas.

Por fim, sem grande aprofundamento, não podemos deixar de relevar questões fundamentais para a aceitação de tais transferências de competências que são os recursos financeiros, que efetivamente não estão suficientemente clarificados na proposta de lei e que deverão de todo, serem previamente definidos, a saber:

  • É necessário, assegurar uma avaliação dos meios necessários, o que exige, um cálculo rigoroso e fundamentado dos montantes necessários para o pleno exercício da competência, a recusa de rácios, a previsão da evolução de meios financeiros a médio prazo e o cálculo de custos diretos e indiretos;
  • A definição de um ponto de partida, que terá que ser sempre e tendo por base a aplicação na integra da atual Lei das Finanças Locais (que não está sendo aplicada), acrescida dos valores decorrentes das novas competências;
  • A verificação de garantias futuras quanto ao regime de meios financeiros para as autarquias locais.

Este quadro, de aplicação de uma lei-quadro de descentralização de competências, para as autarquias locais, deve ser feito com responsabilidade, transparência, avaliação séria e rigorosa. E tal, não pode justificar a não aplicação do que a própria proposta refere: a «universalidade e obrigatoriedade da aplicação da lei para todo o território», não sendo aceitável, pela não aplicação de tal princípio, a existência de municípios de primeira e de segunda.

 

 

José Figueira

(sociólogo)