A estratégia de destruição e encerramento de serviços públicos tem procurado o envolvimento das autarquias, de forma a disfarçar e a atenuar o descontentamento das populações. O processo de transferência para as autarquias de serviços de controlo e registo de situações de desemprego, o aliciamento para a instalação dos chamados balcões únicos, ou a descentralização de competências nas áreas da Educação, Saúde e Cultura, negociando estas medidas com vários municípios, são exemplos da procura no Poder Local – quase sempre assente num processo de pressão e de chantagem – de decisões para dar cobertura a um objectivo de desmantelamento e destruição dos serviços públicos, escancarando-se as portas à sua privatização.

Em Maio de 2013 foi aprovada em decreto de lei a criação de “Espaços do Cidadão” resultantes de protocolos entre a Agência para a Modernização Administrativa (AMA-IP) com autarquias, ipss’s, fundações, associações (nomeadamente empresariais ou outras de direito privado que prestam serviços públicos) e as “lojas do cidadão”, cujo propósito é a “concentração dos espaços de atendimento dos serviços e organismos do Estado”, lojas estas que devem incluir no seu seio um “espaço do cidadão” justificado para “possibilitar o atendimento digital assistido de outros serviços públicos que não hajam sido objecto dessa concentração.”

Segundo o Governo, a transferência de responsabilidades através do programa Aproximar visa a reestruturação das Lojas do Cidadão e a abertura de Espaços do Cidadão, o seu alargamento no território e a passagem de competências para as autoridades locais que estão mais próximas dos cidadãos. Segundo dados oficiais do ministro do Adjunto e do Desenvolvimento Regional, que está a implementar esta mudança, já foram assinados 129 protocolos para estes espaços e 50 estão para ser assinados. Estes Espaços do Cidadão vão ocupar o mesmo espaço dos CTT ou espaços municipais, e os funcionários são das Câmaras Municipais ou dos CTT.

O novo modelo estratégico implica a concentração de dois mil serviços de atendimento, hoje espalhados pelo País, numa única loja do cidadão – que terá que existir obrigatoriamente em cada concelho. Garante o Governo que, apesar desta fusão, com a ajuda dos novos espaços do cidadão (pequenos balcões digitais para apoiar as populações), o País acabará “com mais serviços do que tem hoje”, embora numa formulação totalmente diferente.

Em troca, as câmaras que aceitarem negociar poderão gerir os espaços e receber as contrapartidas financeiras pelas novas competências. As autarquias terão os parceiros preferenciais para gerir as novas lojas do cidadão, mas o Governo não descarta a possibilidade de estas serem geridas por outros serviços, dependendo de qual o espaço a ser ocupado.

O Governo pretende avançar rapidamente e por isso já começou a negociação com dois grupos de câmaras. O objectivo é uma reorganização a dois níveis: dos serviços de atendimento ao público, por um lado, e dos serviços administrativos, por outro. Na prática, o Governo quer que cada concelho tenha uma Loja do Cidadão de atendimento ao público, mas os serviços de backoffice – de tratamento de processos administrativos –, serão concentrados por grupos de municípios.

No documento já aprovado em conselho de ministros, o Governo não fala em encerramento de serviços, apenas em concentração, e deixa tudo em aberto para as negociações. Para já, houve um recuo no objectivo de encerrar 50% das repartições de Finanças como estava acordado com a troika. A meta deixou de existir no papel, e os encerramentos vão ser agora negociados caso a caso. Quando acontecerem, as populações mais isoladas podem vir a ser servidas por outras soluções. Sejam os cerca de mil balcões de atendimento digital prometidos este ano, sejam serviços de transporte como as “carrinhas do cidadão”.

Este é um caminho errado, porque naturalmente os municípios numa primeira fase podem suportar os custos, mas depois com as dificuldades que têm em termos de orçamento, a tendência e a tentação serão inevitavelmente para os entregar ao sector privado. Trata-se de uma tentativa de se desresponsabilizar o Estado, atirando para as autarquias com uma falsa descentralização, na medida que se descentralizam competências, mas não se descentralizam as verbas necessárias para que o sistema funcione.

Os cerca de dois mil equipamentos espalhados por Portugal têm um custo para os cofres do Estado de cerca de 800 milhões de euros e a intenção é reduzir esta factura. Este é sem dúvida o objectivo economicista do Governo. O outro, é o da futura privatização dos serviços públicos.

Não é certo ainda quanto será esse corte, nem quantos funcionários serão despedidos depois da fusão de serviços – principalmente os administrativos, que passarão a estar integrados em equipas que juntam várias repartições actualmente existentes. O Governo apenas assume uma “redução de chefias e de complexidade hierárquica”, não contabilizando o número de pessoas afectadas por estas fusões.

A verdade é que hoje temos um país desequilibrado e assimétrico, em que os portugueses já não são só penalizados só em razão da sua origem social, mas também em relação ao sítio onde nasceram, onde trabalham, onde moram e onde vivem, tendo em conta o encerramento de escolas, de tribunais, de unidades de saúde e de serviços públicos, portanto estas medidas à peça nada resolvem.

Com a transferência das lojas do cidadão do Estado Central para as autarquias locais, o que se está a fazer é dar os passos necessários para a privatização de serviços públicos dado que não se transferem os meios necessários para a prestação de um serviço público de qualidade. Desmistificar esta patranha é um trabalho difícil. Mas terá que ser feito.

Pedro Ventura