Realojamento em Vale de Chícharos
Seixal - um município preocupado com a questão da habitação
O direito a uma habitação é essencial para se garantir a dignidade humana. Para muitos milhares de portugueses o acesso a habitação é ainda um sonho distante. Tal como noutros países, em Portugal pode aplicar-se um aforismo que traduz bem a realidade «Tanta gente sem casa. Tantas casas sem gente». Há milhares de casas vazias, mais de 700 mil, segundo os censos de 2011. Mas também temos milhares de cidadãos sem casa condigna, pois serão muitos os milhares de portugueses que vivem em casas degradadas, sem condições mínimas de habitabilidade, ou a viverem em grave situação de sobreocupação.
Nas últimas duas décadas não tem existido uma verdadeira política pública de habitação, que é competência do Estado, como refere o artigo 65.º da nossa Constituição. A ter existido essa política, teria sido fundamental para a concretização de maior justiça social, da redução das desigualdades, e para o próprio desenvolvimento económico. Não tem existido uma lei de bases de habitação, ou um edifício legislativo coerente e muito menos mecanismos práticos que permitam a concretização deste direito constitucional à habitação, que com as políticas de austeridade dos anteriores governos, agudizaram esta questão.
No último levantamento sobre a necessidade de habitação social em Portugal, e mesmo só com respostas de metade dos municípios, segundo dados do governo (2017), estavam já apuradas mais de 26 mil famílias com necessidade de alojamento. Em alguns municípios das áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto, essas necessidades abrangem mais de 2.000 famílias.
Na área do município do Seixal temos identificadas cerca de 500 famílias, concentradas essencialmente em dois núcleos, Vale de Chícharos com 234 agregados e Santa Marta com 214. A realidade no nosso concelho, embora seja preocupante, ainda assim está muito aquém daquela que é a realidade do País.
Sempre estivemos disponíveis para trabalhar em conjunto e encontrar soluções para as nossas populações, sendo disso exemplo a promoção do Programa PER Famílias, onde oMunicípio comparticipou, a fundo perdido, as candidaturas à aquisição de habitação própria permanente dos inscritos no referido programa, tendo realojado cerca de 80 famílias.
Mas a história de realojamento da autarquia do Seixal tem maior dimensão, pois foram realojados através do PER 286 famílias (167 no Bairro da Cucena, 37 no Bairro do Fogueteiro, 80 através do PER Famílias e duas noutras habitações). Já sobre os níveis de investimento e partilha de responsabilidades entre a autarquia e a administração central, a balança ficou muito desequilibrada para o lado do Município, pois nestas duas operações de realojamento PER, a Câmara Municipal investiu 6,237 milhões de euros e cedeu os terrenos, ao passo que a Administração Central investiu 3,98 milhões de euros, ficando assim o esforço financeiro repartido por 61% contra 39%, quando deveria ser o inverso, porque de facto as competências são primeiramente da administração central e não do poder local.
O núcleo habitacional de Vale de Chícharos, localizado no Fogueteiro, freguesia de Amora, surgiu nos anos de 1980, após a falência da empresa construtora.
Ficaram por concluir um conjunto de edificações, em diversas fases de construção que, a partir do início da década de 1990, foram sendo ocupadas progressivamente por famílias, em grande maioria com origem em países africanos de língua oficial portuguesa.
Em pouco tempo os edifícios do bairro de Vale de Chícharos, foram evoluindo num processo de adaptações sucessivas em autoconstrução, até atingirem um grau de ocupação humana na totalidade do edificado.
Entretanto, a Caixa Geral de Depósitos procedeu à venda do terreno com as construções inacabadas ao seu actual proprietário, sem que existisse qualquer preocupação com a situação existente, de ocupações em edifícios inacabados.
A Câmara Municipal do Seixal defendeu junto dos anteriores governos, e do actual, um novo modelo de realojamento que potenciasse melhor os mecanismos de acesso à habitação própria e que rentabilizasse o património imobiliário devoluto. O modelo preconizado assenta nos princípios do regime da propriedade resolúvel, do subprograma PER-Famílias e da otimização do património habitacional construído e devoluto, tendo na sua base uma parceria de coresponsabilização social.
Defendemos um modelo de realojamento através de uma parceria efetiva entre a administração central, através do Instituto de Habitação e Reabilitação Urbana (IHRU), enquanto entidade pública responsável pela definição e execução da política de habitação, a Câmara Municipal do Seixal, enquanto entidade pública responsável pela gestão e promoção do desenvolvimento local e do bem-estar da comunidade, as entidades bancárias e os proprietários de imóveis usados e devolutos, enquanto detentores de parte significativa do mercado imobiliário desocupado, e os dos terrenos ocupados com construções precárias, enquanto interessados na desoneração das suas propriedades, bem como as famílias, enquanto beneficiários e responsáveis pelos seus projectos de vida. Estamos em crer que esta proposta era a que melhor servia todos os intervenientes no processo.
A Camara Municipal do Seixal desenhou e propôs por diversas vezes estratégias e possíveis soluções para resposta aos problemas habitacionais, sem no entanto ter obtido a parceria necessária e à altura do desafio, quer das entidades privadas proprietárias dos terrenos, quer dos vários organismos executores das políticas nacionais de habitação. O proprietário do terreno de Vale de Chícharos intentou mesmo uma acção judicial sobre a Autarquia, acção que ainda corre termos.
Nos últimos dois governos, foram várias as reuniões com ministros e secretários de estado, sempre sem qualquer perspectiva de solução para este problema. Mas em Agosto de 2017, com a criação da nova Secretaria de Estado da Habitação e com uma maior visibilidade pública do problema habitacional existente em Vale de Chícharos, o Governo finalmente mostrou disponibilidade para a sua resolução, através do PROHABITA.
Pouco mais de três meses depois da disponibilidade demonstrada pela Secretaria de Estado da Habitação para a resolução do problema, o Município do Seixal criou as condições de avançar para a solução do mesmo, pois apesar da complexidade do processo, o elevado número de famílias, as questões burocráticas, o edificado existente, entre outros aspectos, a autarquia sempre esteve interessada na resolução desta questão. Para o trabalho desenvolvido contribuiu uma equipa de trabalhadores empenhada, com profundo conhecimento do problema e capaz de agarrar este processo com determinação e com vontade de encontrar uma solução que responda à população que vive em Vale de Chícharos. Assim, a 22 de Dezembro de 2017 foi assinado um Protocolo entre o IHRU, a Câmara Municipal do Seixal e a Santa Casa da Misericórdia, que prevê realojar 234 famílias entre 2018 e 2022, demolindo todos os edifícios inacabados e realojando os seus ocupantes.
A parceria com a Santa Casa da Misericórdia do Seixal (SCMS), foi estabelecida no sentido de agilizar as questões operacionais do processo de realojamento, contratando o empréstimo ao IHRU de 45% do valor estimado do realojamento pelo prazo de 25 anos, adquirindo as habitações, e adaptando-as aos seus novos utilizadores. À Câmara Municipal do Seixal, cabe o papel de encaminhamento das famílias alvo de realojamento, o seu enquadramento social em parceria com o Centro Distrital de Segurança Social, as operações de demolição por contra do proprietário (que instado para o efeito se recusou a fazê-lo), o transporte das famílias e dos seus pertences para as novas habitações, bem como o financiamento de 55% da operação, pagando à SCMS as suas despesas contraídas no referido empréstimo, e 10% «à cabeça». À administração central, através do IHRU, cabe financiar 45% a fundo perdido.
O referido protocolo também estabelece o cronograma das demolições e operações de realojamento, iniciando-se pelo designado Lote 10, pois trata-se do maior edifício e também o que alberga o maior número de famílias, 63.
Realizou-se uma reunião com os moradores do Lote 10 a 19 de Janeiro de 2018 para explicar o processo de realojamento e esclarecer todas as dúvidas que foram colocadas. Seguem-se atendimentos sociais promovidos pela autarquia, enquanto que a SCMS está a finalizar a aquisição das 63 fracções e vai passar á fase da reabilitação das mesmas, para se agendar um dia, onde todas as famílias irão ser realojadas e ao mesmo tempo e se iniciará a demolição do edifício, para evitar futuras ocupações e o prolongamento do problema.
Para os moradores de Vale de Chícharos, este momento será o princípio do fim de um processo demasiado longo e penoso, e é também a oportunidade porque tanto esperaram para dar um novo inicio às suas vidas, agora com condições condignas de habitação, embora em muitas destas famílias existam outras fragilidades para além da habitação precária e que devem merecer a atenção das entidades competentes.
Também para os moradores da zona do Fogueteiro, de Amora e do concelho, este é o momento em que se anuncia o fim de um núcleo de habitação precária e consequentemente se começa a vislumbrar uma requalificação daquela zona, expectativa tantas vezes demonstrada por aquelas populações.
Registar que mais uma vez, e a exemplo do que tem sucedido em diversos momentos na área social e noutras áreas da responsabilidade da administração central, feitas as contas será o Município do Seixal e as suas populações que irão realizar o maior esforço financeiro. Assim, já o tinha sido no apoio à construção de lares, centros de dia e creches sociais e assim será também na questão da habitação social, algo que não deveria suceder e que não é justo no relacionamento entre diferentes órgãos do Estado.
Importa referir uma vez mais o trabalho desenvolvido pelo trabalhadores e técnicos da Câmara Municipal do Seixal, que muito trabalharam para chegarmos até esta solução e que todos os dias estão presentes junto da nossa população, procurando construir um município e uma vida melhor para todos nós.
Joaquim Santos
(presidente da Câmara Municipal do Seixal)