Chamam-lhe agregação mas o objectivo é a privatização
“Só percebemos o valor da água
depois que a fonte seca”
Provérbio Popular
O provérbio refere o valor da água na perspectiva da sua utilização, fazendo transparecer na importante saberia popular, a ideia da água como um bem público e a que todos devemos ter acesso.
Nada mais oportuno num momento em que vendo aproximar-se o fim da sua governação, PSD e CDS intensificam a sua ofensiva visando criar as condições para o sucesso de um futuro processo de privatização do sector do abastecimento de água e das águas residuais. Aproveitando e municiando-se de medidas anteriores de governos do PS. E contando, infelizmente com a conivência de autarquias do PS e do PSD apesar de, felizmente, serem cada vez mais crescentes as vozes contra o processo dito de reestruturação em curso e que mereceu recentemente um protesto público que envolveu diversas autarquias de maioria CDU, PS e PSD envolvidas no processo de criação do novo Sistema Multimunicipal de Lisboa e Vale de Tejo (LVT).
Numa estratégia com os diversos passos delineados tendo em vista o objectivo final, o Governo tem vindo passo a passo a implementar um conjunto de medidas legislativas e de organização empresarial, sendo a medida mais recente a fusão de vários sistemas multimunicipais e a criação de três mega sistemas, com um simulacro de audição aos municípios envolvidos, não respeitando a sua vontade e impondo um modelo de organização que os afasta ainda mais do processo de gestão da água e do saneamento. Na esteira aliás do que fez a nível dos resíduos em que está a concretizar o processo de privatização da Empresa Geral de Fomento (EGF).
Cinco observações mais especificas sobre o processo:
- Uma linha de menorização do papel dos municípios, desrespeito pelos seus pareceres, espoliação dos seus bens, prolongamento unilateral das atuais concessões, delegação da gestão do sistema na Empresa Portuguesa de Águas Livres (EPAL)1 (empresa que é detida a 100% pela Águas de Portugal – Grupo AdP), diminuição do peso nos órgãos sociais, exclusão de representantes dos municípios em funções executivas, sendo estes remetidos para um conselho consultivo sem poder de direção. Nem sequer foi divulgado um relatório de apreciação e ponderação dos seus pareceres. Deve ser segredo de Estado, sendo que o seu conhecimento seria um importante meio de avaliação do processo.
- A violação das regras do direito societário tal como aconteceu no processo de privatização da EGF, obrigando os municípios enquanto acionistas a transitarem automaticamente de uma empresa para a outra mesmo contra a sua vontade, não valorizando devidamente as suas participações ao mesmo tempo que abre a porta à participação ao capital privado que pode ir até aos 49%.
- A falácia sobre a dicotomia litoral interior e sobre a pretensa redução das tarifas, numa visão redutora que não considerou outras alternativas que poderiam dar um melhor resultado em termos tarifários. Não foram demonstrados os ganhos de escalas e por exemplo a nível do LVT os gastos de exploração unitários previsionais desta nova empresa, são superiores aos somatórios dos gastos das que a antecedem, como refere a Empresa Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos (ERSAR) no seu parecer.
- A desvalorização do papel dos trabalhadores com a prevista redução de pessoal ao serviço e com a previsão no Estudo de Viabilidade Económica e Financeira de aumento dos gastos com subcontratos e trabalhos especializados não especificados, numa aposta no outsourcing e na precariedade nas relações de trabalho, favorecendo com esta opção o capital privado.
- A existência de alternativa e a possibilidade de uma redução de gastos nomeadamente a nível dos acionistas com a inexistência ou redução substancial da remuneração do capital social e a eliminação dos fees de gestão que curiosamente a ERSAR considera “uma remuneração excedentária e injustificada dos acionistas.” Bem como outras medidas de optimização e uma maior atenção aos fluxos financeiros e de prestação de serviços entre as empresas do grupo AdP.
Mas o Governo não pretende ficar por aqui. Pretende insistir no processo de verticalização, na criação de novos sistemas em baixa utilizando o acesso aos fundos comunitários como pressão e no aproveitamento do papel da ERSAR na construção de tarifas facilitadoras da drenagem de dinheiro para os sistemas em alta.
O futuro passará sempre pela afirmação da autonomia do Poder Local e pela gestão pública da água e a luta em sua defesa tem de prosseguir nas suas diversas dimensões: nas instituições (órgãos autárquicos e de soberania); nos tribunais (dando seguimento às providencias cautelares e ações principais); nas empresas mobilizando os trabalhadores; e nas ruas ganhando as populações para a defesa da água pública, garantindo o seu acesso universal. A água não pode ser transformada num negócio. Não se pode deixar secar a fonte. A luta continua!
José Maria Pós-de-Mina