No passado dia 2 de abril, realizou-se em Tróia o Congresso AMALENTEJO, sob o lema “Mais Cidadania, Mais Poder Local, Mais Democracia, Melhor Alentejo”, que contou com mais de 420 participações, entre pessoas e instituições, tendo no final sido aprovada a “Declaração de Tróia” (com duas abstenções), na qual se defende a Regionalização no respeito pela Constituição da República Portuguesa (CRP), saída do 25 de Abril.

A realização do Congresso AMALENTEJO, foi um momento de grande relevância pelos temas que procurou trazer a debate e reflexão num momento de particular importância para a Região.

Com efeito, olhando para os objetivos do Congresso verificamos que se procuraram trazer a debate temas que, como foi referido pela “Comissão Promotora”, são os alicerces de um processo de coesão interna, quanto à identificação e desenvolvimento de uma verdadeira estratégia de desenvolvimento, que urge definir, no quadro da afirmação das potencialidades da região Alentejo, em particular o de,

  • Assegurar do seu desenvolvimento económico e social;
  • Valorizar e defender o poder local democrático que deverá ser entendido por todos como uma das grandes conquistas alcançadas pelo povo português após o 25 de Abril de 1974;
  • Confirmar os preceitos inscritos na Constituição da República, quanto à concretização da regionalização administrativa do continente, como parte do poder local democrático e um dos pilares do Estado democrático que urge concretizar.

 

Foi tendo presente os referidos eixos de afirmação propostos, que a nossa reflexão se irá debruçar em torno do crescimento e desenvolvimento económico e social e da concretização das regiões administrativas no quadro da consolidação e reforço do poder local.

Com efeito, qualquer estratégia de desenvolvimento de cariz territorial terá que ter em consideração não só as potencialidades endógenas (económicas e sociais), do espaço onde se pretende intervir como se deverá atender a variáveis não menos importantes como são as “redes institucionais de desenvolvimento local”, “ as redes de formação, investigação e desenvolvimento”, “as redes de cooperação e desenvolvimento empresarial”, “as redes do setor público” e de afirmação do poder local.

Ora o que temos assistido nas últimas décadas, em particular desde os finais dos anos 90, é ao agravamento dos indicadores demográficos e consequente despovoamento humano da região, a manutenção e/ou aumento das já elevadas taxas de desemprego, bem como à reorientação da atividade económica para setores emergentes nem sempre em áreas de aproveitamento dos nossos recursos endógenos (exceção feita a recursos humanos) e consequente agravamento das assimetrias regionais e intrarregionais.

Com efeito, no que respeita ao agravamento das assimetrias, se atendermos aos dados do INE, publicados no final do ano de 2015, sobre o “Poder de Compra Concelhio” verificamos que comparando o poder de compra médio da Região do Alentejo com a região mais desenvolvida Área Metropolitano de Lisboa, o poder de compra médio de um habitante do Alentejo é inferior ao de Lisboa em 28,5%. E se analisarmos esse mesmo indicador comparativamente com a média nacional, um habitante da região tem um poder de compra inferior em cerca de 11%. A par desta constatação, também a nível intrarregional subsistem tais disparidades. Esta situação é igualmente significativa quando analisamos a evolução do PIB na região, que se mantem em valores na ordem de 70% da média europeia (UE28) e a uma distância em relação ao País na ordem dos 6%. Idênticas assimetrias se verificam quando se compara a produtividade (VAB/Emprego).

Quanto à evolução do desemprego, a Região continua a ser fustigada com elevadas taxas de desemprego que ciclicamente se situam entre 12 e 16% da população ativa, conforme a fonte seja diferenciada entre INE e/ou IFEP, e exista ou não ocupação dos desempregados em ações de formação e/ou ocupação laboral temporária.

 

A par das situações anteriormente descritas o Alentejo depara-se com o agravamento constante e sistemático dos indicadores demográficos contrários às necessidades de renovação de gerações, agravados com o aceleramento do processo de despovoamento.

Observando algumas das mais recentes análises a este propósito, constata-se que segundo os Censos de 2011, «(…) no Alentejo a população presente era inferior à residente o que mostra à partida, que um elevado número de residentes se teria ausentado da região, procurando fora da sua área de residência melhores condições de trabalho e de vida (…)». Concomitantemente, os referidos estudos afirmavam de forma inequívoca que a «(…)população do Alentejo entrou em declínio ainda mais acentuado na primeira década do Século XXI, perdendo 3,1 vezes mais população do que na década anterior, maioritariamente por influência direta do desequilíbrio entre óbitos e nascimentos ocorridos na região, responsável por um défice de -38 511 habitantes.» (MENDES e MAGALHÃES, 2013)

Esta tendência, a não ser invertida, perspetiva-se que segundo estudos de «projeções da população para o período de 2012-2060» (INE, 2014), o Alentejo (em meados do Século XXI) pode ver sua população decrescer para valores para pouco mais de 570 mil habitantes, no cenário mais favorável, contra os atuais cerca de 750 mil habitantes, uma quebra de 24% da sua população.

A conjugação dos indicadores precedentes, a par de outros, vêm confirmar a evidente ausência de uma verdadeira “estratégia de desenvolvimento” para a Região que não pode ser substituída por “Planos de Desenvolvimento Regional”, que têm sustentado e justificado os apoios comunitários para a Região, nestas últimas décadas, nem tão pouco por documentos de cariz territorial e setorial, como o PROT Alentejo e/ou “A Estratégia Regional de Especialização Inteligente do Alentejo” que por muitas virtualidades que possam ter, e têm, para ajudar no desenvolvimento da nossa Região, nunca poderão alcançar os objetivos de um “plano de desenvolvimento económico, social, integrado e sustentável” de que a Região necessita à muito, capaz de potenciar os recursos endógenos e emergentes, capaz de colocar tais recursos a gerarem riqueza e a criarem emprego, contribuindo para suster o despovoamento e invertendo as tendências demográficas negativas, atraindo pessoas, gentes, investidores e investimentos.

Isto porque, se as tendências pesadas, quanto ao processo de desenvolvimento económico e social, se têm vindo a manter com tendência para se agravarem, a diminuta autonomia das autoridades regionais e locais para responder a vários desafios da encruzilhada com que o Alentejo se debate é uma evidência.

Com efeito, nos últimos anos, a par de uma ofensiva sem precedentes contra o Poder Local, colocando em causa a sua autonomia politica, financeira e administrativa, verificou- se a divisão do território por múltiplas comunidades intermunicipais que mais do que reforçar o associativismo intermunicipal contribuiu para o reforço do centralismo do Estado.

 

Como referiu a ANMP no seu último Congresso, «(…) a competitividade dos territórios e a melhoria da qualidade de vida que dela decorre não pode, assim, deixar de assentar num poder local reforçado, com mais responsabilidade, com atribuições e competências clarificadas, com meios e recursos para atuar…». (ANMP, 2015) E se essa é uma constatação e uma exigência, com a qual estamos todos certamente de acordo, não menos verdade é o facto de que, a inexistência de regiões administrativas, tal como se encontra consagrado na Constituição da República Portuguesa, é hoje uma debilidade reconhecida da estrutura e da organização do Estado que afeta não só o poder local como o processo de desenvolvimento integrado e harmonioso.

 

Com efeito, verificamos hoje passados 40 anos da aprovação da CRP, e 18 anos da realização do primeiro e único referendo sobre a instituição em concreto das regiões administrativas, que o País esta mais desequilibrado, está mais pobre e os cidadãos mais afastados das problemáticas de cariz regional. Justifica-se colocar-se na ordem do dia o debate em torno do tema da Regionalização, e daí a oportunidade da realização do Congresso AMALENTEJO.

Hoje podemos afirmar, a este propósito, como alguém o disse no passado, que existem atualmente, diversas razões para regionalizar e instituir as regiões administrativas, desde logo: «(…) a contribuição da instituição das regiões para o aprofundamento de democracia (e a participação e decisão das populações sobre os temas regionais); (...) a contribuição (…) para o desenvolvimento integrado equilibrado (…) englobando simultaneamente os aspetos económicos, sociais, ambientais e culturais e uma dimensão territorial (…); a contribuição que as regiões podem dar para a reforma democrática da administração pública; e por fim, (…) a contribuição das regiões para a autonomia municipal (…)», (SÁ e outros, 1998) e reforço do poder local.

Situando-nos nos aspetos do contributo da regionalização para o desenvolvimento económico e social podíamos socorrer-nos de um conjunto de teses e indicadores que justificariam esse facto Isto porque ainda que possamos estar de acordo de que a Regionalização não pode ser entendida «(…) como panaceia para a resolução dos problemas sociais e dos problemas de desenvolvimento, e como tal, neste quadro, as regiões, como meio, e não fim em si mesmo, devem ser sujeitos ativos no processo de desenvolvimento e não apenas espaços físicos (…)». (LOPES, 1996)

 

Estamos convencidos, que «(…) existe uma conexão estreita entre a democracia e o desenvolvimento (…). O simples facto de haver órgãos eleitos a nível regional cria possibilidades de participação e intervenção popular que estimulam maior dinamismo da administração pública, obrigam a prestar contas e a melhorar o nível cultural das populações. Ou seja, (…) as ideias de crescimento harmonioso, equilibrado, integrado e participativo (…), o chamado “desenvolvimento sustentável”, decorre da necessidade de equilíbro dos níveis de recursos e riqueza das diferentes de um país (…)» (SÁ e outros, 1998).

 

 

No caso do Alentejo, as potencialidades e os recursos existentes são por demais suficientes para alavancar um processo de desenvolvimento integrado e sustentável cuja coordenação e autonomia politica para o exercício de tais competências só podem ser assumidas, em nossa opinião, no quadro da institucionalização das regiões administrativas.

 

Estamos conscientes que o tema é complexo, face às diferentes teses que foram sendo produzidas sobre esta matéria nas duas últimas décadas, em que a par das que sempre defenderam a Regionalização e a criação das regiões administrativas outras existiram e subsistem que defendem o “reforço do associativismo municipal, o “reforço do municipalismo”, ou da “governação bipolarizada” produzidas à época do Referendo a par das mais recentes, que não reconhecendo os desaires da não Regionalização continuam a defender as chamadas “práticas de centralismo colaborativo (a que chamam «governança multinível»)…e de democracia de proximidade na logica do municipalismo reforçado”. (FERRÃO, 2014)

 

Daí que defendamos o compromisso institucional e político de criação da “região administrativa” no cumprimento da CRP, capaz de reforçar a identidade e coesão do Alentejo e dar inicio a um verdadeiro processo de desenvolvimento económico, social, ambiental e cultural que contribua para rotura com marasmo em que a Região se encontra, de acelerado processo de desertificação e envelhecimento. Tal não dispensa um “Poder Local Regional” forte. Pelo que a decisão do Congresso AMALENTEJO de vir a ser constituída a “Comunidade Regional do Alentejo” insere-se nos objetivos inerentes à Regionalização.

José Figueira

 

Bibliografia:

 

ANMP (2015) – “O Estado no Território” - XXII Congresso da ANMP, TROIA.

FERRÃO, João (2014)  "Organização Territorial do Estado: Uma perspectiva a partir das políticas com valor territorial"  1.ª Conferência  P*Portugal e o Futuro, ANMP, Coimbra, 2014.

INE (2014)  “Projeções da População Residente 2012-2060” – Destaque.

LOPES, A. Simões (1996)  «Regionalização e desenvolvimento», in Fórum 2000, pp. 125-131.

MENDES, Maria Filomena e MAGALHÃES, Maria da Graça (2013) – “2011 SUL: Quantos somos? Onde Vivemos” - Revista de Estudos Demográficos n.º 51-52, pp 108-138, INE.

OLIVEIRA, Luís Valente de (1997) – “Novas Considerações sobre a Regionalização”, Edições Asa, Porto.

PORTO, Manuel (1998) – “ O Não de Um Regionalista” , Edições Globo Ldª, Lisboa.

ROSADO, Manuel Bento (1999) – “Administração Regional sem Regionalização” – Edição do Autor.

SÁ; Luís, SERRANO, Ana e BRANCO, Daniel (1998) – “Asa Regiões Administrativas – Democracia e Desenvolvimento” – Editorial Caminho – Lisboa.

SANTOS, Ana Bela (1998) – “Regionalização - Crónica de uma morte anunciada” – Análise Social -148 pp 805-903.

SANTOS, Marcos Olímpio (2013) – “Crescimento Inclusivo – Contributos para Reflexão e Debate” – Conferência “Plano de Ação Regional – Alentejo 2020", CCDRA.