Na década de 80, perante a excessiva utilização dos recursos naturais e a necessidade da sua preservação e conservação, a União Internacional da Conservação da Natureza, cria o conceito de desenvolvimento sustentável.

Posteriormente, em 1992, na Cimeira do Rio, surgiu o documento universalmente aplicável, Agenda 21, que promove medidas a serem implementadas por todos, para a preservação e sustentabilidade, permanecendo até hoje como um sustentáculo de políticas e intenções.

Entre os princípios de sustentabilidade enunciados na Cimeira do Rio, destaco os seguintes:

  • «O direito ao desenvolvimento deve ser concretizado de modo a satisfazer de forma equitativa as necessidades relativas ao desenvolvimento e ao ambiente das gerações atuais e futuras» (princípio 3).

  • «Os Estados devem garantir às autoridades locais os meios necessários para garantir a sua participação na realização do desenvolvimento sustentável» (princípio 22).

A Constituição da República Portuguesa também contempla o ambiente e o bem estar dos cidadãos nos seus artigos:

  • É tarefa do Estado “[…] defender a natureza e o ambiente, preservar os recursos naturais e assegurar um correto ordenamento do território […]”, Artigo 9.º da Constituição da República Portuguesa.

  • “Todos têm direito a um ambiente de vida humano sadio e ecologicamente equilibrado […]”, Artigo 66.º da Constituição da República Portuguesa.

Inicialmente ligado ao ambiente natural, este conceito passou a agregar a componente social, económica e cultural, bem como outras intervenções humanas. A concepção de sustentabilidade associa-se assim ao conceito de desenvolvimento económico e social das populações, criando uma abrangência e uma complexidade indissociável entre os factores ambientais e sociais, promovendo a reorganização do uso dos recursos naturais, da legislação, das instituições e a adopção de novos valores pela sociedade.

 

Em Portugal, a publicação da Lei n.º 11/87, de 7 de Abril – Lei de Bases do Ambiente, a par da manutenção das áreas protegidas de âmbito nacional, consagra no nosso sistema jurídico os conceitos de área protegida de âmbito regional e local, consoante os interesses que procuram salvaguardar a sua classificação, regulamentação e gestão. A Legislação na Região Autónoma dos Açores é suportada pelo quadro legislativo nacional e regional, incluindo: Legislação Geral do Ordenamento do Território, Legislação Geral das Áreas Protegidas ou por diretivas comunitárias Legislação Geral da Rede Natura 2000. 

 

A Carta Europeia do Ordenamento do Território, aprovada pelo Conselho da Europa em 1983, concebe o ordenamento do território numa perspectiva democrática, ou seja, com a participação activa dos cidadãos no processo de planeamento, global porque tem de conjugar as diferentes políticas sectoriais, funcional por ter em conta as realidades das regiões e ou dos países e prospectivo na medida em que deve prevalecer uma análise atenta para o futuro, nos domínios demográfico, económico, social, cultural, ecológico e do ambiente.

 

Em suma, o ordenamento do território é um processo de planeamento tendente a desenvolver, de modo equilibrado, as regiões e organizar fisicamente o espaço, tendo em vista a promoção do desenvolvimento, a resposta às necessidades da população, a utilização racional dos recursos naturais e a protecção do ambiente. Isto permite organizar de forma harmoniosa o espaço, atendendo às necessidades da população, tendo em atenção os objectivos do desenvolvimento sustentável e as potencialidades do espaço nos seus recursos e no seu património ambiental e cultural. 

 

Planear é organizar o território considerando as necessidades da população e do ambiente de modo a corrigir os desequilíbrios sociais, económicos e espaciais, fomentando o desenvolvimento sustentável, sendo necessário prever e quantificar o futuro e de um modo prospectivo, traçando metas de forma a atingir fins previamente definidos.

 

Para implementar um processo de planeamento é necessário reconhecer as necessidades de intervenção, definir os objecivos e selecionar estratégias. Para tal, é preciso conhecer bem o espaço onde se insere toda a actividade social. Um processo de planeamento é complexo, exige uma intervenção social, económica, técnica, política e dos cidadãos.

 

O conceito de desenvolvimento sustentável tem sido mencionado de modo indiscriminado por responsáveis políticos, autarcas, empresários e outros, com uma grande adulteração do seu significado. Alguns porque o desconhecem, outros porque pensam que assim iludem os cidadãos, dando a sensação de serem grandes sabedores, com conhecimento de causa, para justificar as suas atitudes anti-ambientalistas, promovendo a defesa dos interesses egoístas e sem escrúpulos de empresas e de negócios oportunistas.

 

Ao longo dos anos o planeamento tornou-se num instrumento do poder ao serviço dos grandes interesses económicos internacionais, nacionais e regionais, dos interesses de governantes e autarcas que se vendem ao capital a troco de favores, de interesses ou de votos para perpetuar o seu domínio. Temos uma panóplia de Instrumentos de Gestão Territorial, disseminada por várias Secretarias Regionais, mas no essencial não existe um trabalho de equipa e de consonância com os objectivos propostos.

 

Plano Regional de Ordenamento do Território dos Açores

 

A legislação portuguesa em 1983, com a publicação do Decreto-Lei 338/83, de 20 de Julho, considera pertinente a elaboração de “instrumentos programáticos e normativos das acções a desenvolver no quadro geográfico nacional, visando a caracterização e o desenvolvimento harmonioso das diferentes parcelas do território, através da optimização das implantações humanas e do uso do espaço e do aproveitamento racional dos seus recursos”.

 

 

A idealização do Plano Regional de Ordenamento do Território dos Açores (PROTA) surge no princípio da década de 90, com a publicação da Resolução n.º 44/90, de 27 de Março, na sequência do Decreto-Lei n.º 176-A/88, de 18 de Maio, sendo a sua coordenação da competência da Direcção Regional de Ordenamento Urbanístico da então Secretaria Regional da Habitação e Obras Públicas.

 

Contudo, a publicação da Lei n.º 48/98, de 11 de Agosto, introduzindo grandes alterações, veio inviabilizar o moroso trabalho até então desenvolvido pelos intervenientes do processo, optando o Governo Regional dos Açores por reiniciar todo o processo, com a publicação da Resolução n.º 43/2003, de 10 de Abril, de modo a integrar o PROTA no novo quadro jurídico, passando para a Direcção Regional do Ordenamento do Território e dos Recursos Hídricos (DROTRH) da então Secretaria Regional do Ambiente, a execução do referido documento, mantendo os princípios iniciais da salvaguarda da qualidade do ambiente, dando-lhe a primazia em relação às outras vertentes do desenvolvimento económico e social (DROTRH, 2003).

 

Volvidas quase duas décadas, é finalizado e publicado por Decreto Legislativo Regional n.º 26/2010/A, de 12 de Agosto. Esta morosidade levou a que muitas infracções ambientais e desarranjos do território fossem efectuadas com consequências irreversíveis para a nossa economia, para o nosso património natural, arquitectónico, histórico, cultural e para o bem estar social das nossas gentes. Aponto apenas alguns exemplos: urbanização descontrolada e descaracterizada quer nas cidades, quer no meio rural, construção de infraestruturas e de equipamentos com a consequente ocupação de solos agrícolas e férteis, associando a poluição visual e principalmente a contaminação dos aquíferos, da orla costeira, dos solos e a eutrofização das lagoas.

 

Não posso deixar de referir algumas das grandes e graves incongruências que manifestamente o PROTA apresenta, bem como outros Instrumentos de Gestão Territorial (IGT), revelando que o legislador simplesmente se limitou a seguir outros documentos idênticos, revelando um desconhecimento total da realidade presente e futura. Por exemplo: Sector agro-florestal e agro-alimentar, e cito; "Neste pano de fundo, a estratégia do PROTA tem em conta principalmente as seguintes opções de matriz sectorial:  Valorização das condições de sustentabilidade e de maximização da incorporação de valor regional nas produções intensivas de leite e de carne nas ilhas de S. Miguel e da Terceira, com: selecção criteriosa de zonas de pastagem.

 

Aqui, tenho de fazer a seguinte reflexão. Por decisão tomada em Março de 1984 (dois anos antes de Portugal aderir à Comunidade) foi decretada a introdução de quotas de produção de leite (somente de vaca) no espaço comum europeu. Bruxelas justificou a medida pelo excesso de produção registada na década de 70 e inícios de 80.

 

A reforma da PAC de 2003 decidiu a abolição das quotas leiteiras na União Europeia, reafirmada na avaliação intercalar de 2008. Esta medida foi tomada com alguma antecedência (12 anos), precisamente para que os governos dos Estados e das regiões providenciassem reformas agropecuárias no sentido de viabilizarem outro tipo de rendimentos para o meio rural, de modo a colmatar o impacto económico que esta medida iria surtir.

Como é que, a três anos da aplicação das referidas medidas, o PROTA apresente enunciados como o item supracitado e não tenham surgido outras propostas ou opções? O governo açoriano tem tentado "desmistificar” esta situação introduzindo alterações na distribuição dos subsídios europeus, como acontece com o programa específico de apoio à produção nas ultraperiferias (o POSEI).

 

Por outro lado, no Quadro Comunitário 2014-2020, recorre a taxas de cofinanciamento para investimentos nas explorações agrícolas. Mas, estas medidas só servem para adiar a morte lenta de um sector económico que absorve metade da economia açoriana.

Propostas para o desenvolvimento harmonioso do arquipélago também constam no PROTA. Contudo, assistimos a uma continua perda de população na maioria das ilhas de pequena dimensão com a consequente paralisação da sua frágil dinâmica económica.

Muitos dos planos sectoriais só foram aprovados recentemente, caso dos POOC, depois da orla marítima estar bastante alterada, coberta de cimento só porque os presidentes de junta resolveram fazer uma obra para constar e deixar o seu nome lá inscrito. Algumas das obras ditas de “protecção costeira”, para além de indutoras de erosão noutras zonas, são extremamente dispendiosas para o erário público, o que é tanto mais irónico se pensarmos que, na maioria dos casos, estas se destinam a proteger interesses privados que e não em termos de um correcto ordenamento.

 

O POTRAA aprovado em 2007, após vários adiamentos e contendo muitos impensados, está suspenso para se poder alterar políticas estipuladas e promover a monocultura do turismo em algumas localidades da região, satisfazendo os interesses de alguns grupos económicos e valorização eleitoral.

Termino citando uma das frases proferida em 1854, pelo grande chefe Índio Seattle: “Vós deveis ensinar aos vossos filhos que a terra, sob os seus pés, é feita da cinza dos nossos avós. Para que eles a respeitem, dizei aos vossos filhos que a terra é rica da vida do nosso povo (…)."

Temos o dever de aumentar a nossa voz com mais eleitos, para que as distorções ambientais não se perpetuem e para que as nossas gentes tenham direito a uma vida condigna social e económica.

 

Fernanda Serpa

 FaialTerra

Faial da Terra, freguesia do concelho da Povoação. Ilha de São Miguel