No final daquela tarde escaldante de Agosto, quatrocentas pessoas manifestaram-se exigindo que a administração de saúde garantisse, com urgência, o funcionamento em pleno da sua unidade de saúde. Os oradores sucederam-se. Uns apelando à luta, outros propondo iniciativas reivindicativas, marchas, deslocações com concentração à porta da administração de saúde, entre outras. Outros ainda relataram as suas experiências pessoais.

 

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Manifestação em defesa do Centro de Saúde no largo da sede da Junta de Freguesia

 

«O povo unido jamais será vencido!» Assim será! O povo juntou-se por diversas vezes em Assembleia Popular no largo da sede da Junta. «O povo unido jamais será vencido!» – bradaram centenas de vozes. No centro da vila, o povo fez ouvir a sua voz. São João do Campo é sede de freguesia. A vila situa-se às portas de Coimbra, na margem direita do Mondego, a noroeste da sede de município. Os habitantes da freguesia pouco ultrapassam os dois milhares, a crer nos censos. O posto médico, como era outrora designado, extensão do Centro de Saúde da Avenida Fernão de Magalhães, na moderna linguagem, ocupa instalações anexas à sede da Junta. Em terra de dois mil habitantes, a concentração de várias centenas de pessoas, mulheres e homens de todas as idades, junto à sede da junta não é habitual e impressiona. Mas no verão de 2016, repetiu-se algumas vezes.


Os populares responderam ao convite da Comissão de Utentes da Extensão do Centro de Saúde e do executivo da Junta. Concentrados no largo, constituíram-se em Assembleia Popular. A vila estava sem serviço médico desde o dia 15 de Julho, assim devendo continuar até 15 de Setembro. Recusaram-se a aceitar o encerramento da extensão do centro de saúde. Não que lhes tenha sido comunicada qualquer decisão. Mas o povo é sábio. A única médica que então prestava serviço na unidade de saúde estava de «baixa» por doença prolongada, a enfermeira e a funcionária administrativa encontravam-se ausentes, por motivo de férias ou doença. De facto, a extensão de saúde estava de novo temporariamente encerrada. A situação não era inédita e o povo temia que o temporário se tornasse por inevitabilidade definitivo. E não aceitou!

 

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Assembleia Popular noturna, o povo não desiste


Participei em várias destas assembleias. No início de Agosto, na praça da vila, num final da tarde, a população foi-se juntando. Famílias inteiras compareceram. Crianças com os pais e os avós. Primeiro intervieram os membros da comissão e os eleitos da Junta de Freguesia de maioria CDU. Deram conta do ponto da situação, dos contactos estabelecidos com os responsáveis da Administração Regional de Saúde (ARS). Depois, os populares foram-se inscrevendo. Muitos quiseram partilhar sentimentos de indignação e a disposição de não desistirem de lutar por um direito que sentem seu. Havia um «abaixo-assinado» a circular, já subscrito por várias centenas de utentes. Fizeram-se apelos a que ninguém deixasse de o subscrever. Por entre o povo, apenas um vereador da Câmara de Coimbra respondera ao convite para participar. Compareci na qualidade de vereador, eleito pela CDU. Vladimiro Vale, da Comissão Política do Comité Central do PCP, respondeu ao convite para estar presente, em solidariedade com esta luta.


A 8 de Agosto, data da segunda assembleia popular, eram cerca de quatrocentas as pessoas concentradas na praça da vila. De novo, famílias inteiras. «Haviam de ser mil!» - desabafava um dos manifestantes. Os membros da comissão deram conta das novidades, transmitindo os resultados de reunião com os responsáveis da ARS. Não há pessoal substituto - informou a ARS. Avolumavam-se os receios da população. Então, todos temem que este encerramento temporário esteja para ficar. Os populares estavam indignados. A alternativa que lhes foi oferecida não serve. Os cerca de dois mil utentes estavam a ser encaminhados para o Centro de Saúde da Fernão de Magalhães, no centro da cidade de Coimbra. Esta unidade de saúde ocupa instalações extremamente degradadas, sendo considerada a esse nível a pior do município. Há muito que os utentes do próprio centro de saúde exigem a construção de novas instalações. Exigência a que também já juntei a voz em diversos locais e tempos diferentes. A deslocação para a cidade, desde São João do Campo, uma zona periférica sem transporte público municipal, torna-se extremamente incómoda e penosa e é demasiado onerosa para os doentes, na sua maioria idosos e pensionistas.

 

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«Haviam de ser mil!»

 

No final daquela tarde escaldante de Agosto, quatrocentas pessoas manifestaram-se exigindo que a administração de saúde garantisse, com urgência, o funcionamento em pleno da sua unidade de saúde. Os oradores sucederam-se. Uns apelando à luta, outros propondo iniciativas reivindicativas, marchas, deslocações com concentração à porta da administração de saúde, entre outras. Outros ainda relataram as suas experiências pessoais. «O Zé Mau lá ia hoje de manhã para a Fernão de Magalhães para fazer o penso...Pode lá ser...No estado em que o homem está, ir assim diariamente para tão longe!». «E a sogra do meu sobrinho?». O povo desfiou exemplos. Sentiam-se roubados num direito essencial para a sua dignidade. Reunidos em assembleia em final da tarde não desarmaram. «Já fizemos outra assembleia. Hoje estamos aqui. Há um abaixo-assinado a correr. Não desarmamos. Faremos manifestações. Tudo o que for necessário. Não desistimos! Queremos os cuidados médicos a que temos direito!»


Participando na reunião, com o propósito de transmitir a solidariedade do PCP e da CDU com a luta dos habitantes de São João do Campo, tive a oportunidade de intervir. Informei então que levaria a questão à câmara, órgão autárquico que pode e deve pressionar a administração central. Concluí então a intervenção, partilhando a minha satisfação pela forma como o povo de São João do Campo conduzia a luta pelos seus direitos, exigindo o que é justo. O direito à saúde, consagrado na Constituição da República. Ali, em 2016, vivia-se o espírito de Abril e combatia-se pela sua concretização.


Naquela tarde de Agosto, quatro centenas de pessoas manifestaram-se determinadas. «Até podiam ser mil! Mas olhe que esta gente toda é muita gente» – comentava uma velhota, acrescentando: «E mais seremos...que o povo não se deixa enganar!»


A ARS recebeu de novo, dias depois, uma delegação composta por membros da Junta de Freguesia e da Comissão de Utentes. A ARS garantiu então que encontraria solução nos dias próximos para a falta de médico. Um responsável da ARS deslocou-se a São João do Campo no início de Setembro. A população aguardava-o. Nesse dia, um médico iniciou funções na extensão do Centro de Saúde de São João do Campo. O Zé Mau e todos os outros utentes reconquistaram o direito de acesso a cuidados de saúde na sua terra. A população está orgulhosa por ter vencido esta batalha. Mas as gentes de São João do Campo permanecem vigilantes. Na defesa dos serviços públicos. Na defesa dos seus direitos.

 

 

Francisco Queirós

(vereador CM Coimbra)