No processo de construção e de afirmação do poder local democrático, a luta por um regime financeiro que dê resposta às competências dos municípios e à satisfação das necessidades das populações, tem sido um dos eixos centrais inserido no processo de defesa da autonomia das autarquias locais e do reforço da sua capacidade de intervenção.

Ao mesmo tempo este tem sido um dos aspectos centrais da política de direita, visando o enfraquecimento do poder local, através da diminuição dos recursos postos à sua disposição e do ataque frontal à sua autonomia.

O estudo realizado pela Escola de Economia e Gestão da Universidade do Minho efectuado a pedido da Direção Geral das Autarquias Locais e divulgado em julho de 2015, apresenta indicadores que comprovam o que sempre temos afirmado: uma forte redução das receitas nos últimos anos, de que é exemplo a diminuição entre 2008 e 2012 de cerca de três pontos percentuais no peso das despesas públicas locais no total das despesas do Sector Público Administrativo; a receita de 2014 ficou pouco acima da registada em 2000; a redução acentuada da despesa com destaque para a de investimento que passou de 3.452,1 milhões de Euros em 2001 para 911,6 milhões de Euros em 2014 registando uma queda acumulada de 73,6%; redução da dívida global dos municípios. Tudo isto se traduziu em termos reais na diminuição da capacidade de execução das autarquias locais e na redução da capacidade de resposta aos problemas locais.

A situação tem-se agravado de forma substancial durante este mandato, fruto do acumular de medidas e de consequências a que acresce a impossibilidade prática de acesso a fundos comunitários, dada a incapacidade do governo em por em marcha o denominado Portugal 2020. Estamos perante um problema de sub-financiamento do poder local.

Esta política não é anónima, tem responsabilidades que resultam da intensificação da política de direita e de uma orientação predominante de ataque à autonomia do poder local, com o objectivo mais vasto de promover a degradação dos serviços públicos e com isso potenciar as iniciativas visando a privatização favorecendo os interesses do grande capital.

A defesa da autonomia do poder local é uma das principais batalhas a travar e a sua componente de autonomia financeira tem de ser garantida, não se devendo confundir esta com uma ideia errada de independência financeira e de classificação de receitas próprias que exclui a participação nos impostos do Estado. Estes são um recurso por direito próprio das autarquias locais dando cumprimento ao preceito constitucional da justa repartição dos recursos.

A reposição da capacidade financeira dos municípios é um objectivo que deve unir todos os que defendem o Poder Local democrático. Manobras como as que foram feitas no final da anterior legislatura com a lei 132/2015 de 4 de setembro que adiou o inicio do processo de extinção do IMT (medida justa mas incompleta)1 a troco do prolongamento do limite das variações máximas de receitas da participação variável do IRS2 por mais um ano não vão no sentido certo. Neste caso em particular a maioria deu com mão alheia (a dos contribuintes) verbas aos municípios e retirou para seu proveito verbas que são dos municípios. Um bom negócio para o governo. O adequado teria sido pôr fim à ideia de extinção do IMT e por outro lado não incluir esta receita do IRS no limite da variação máxima.

Estamos no momento de encontrar espaços e vontades para um novo caminho de defesa e afirmação do poder local, enquanto instrumento de Abril. Que passa pela revisão de toda a legislação que manieta e constrange as autarquias locais. Desde a revisão dos montantes de recursos financeiros que são postos à sua disposição a um infindável número de normas e procedimentos que tolhem a sua autonomia e causam dificuldades acrescidas à sua ação. Incluindo a obrigação interminável de reportes e mais reportes. E não constitui alternativa credível a subida dos impostos municipais como sustenta o já referido estudo da Universidade do Minho. Nem passará pela fusão de municípios a pretexto duma suposta melhoria da eficiência. Estes são argumentos dos que apoucam o poder local e pretendem o seu enfraquecimento.

Sabendo que Roma e Pavia não se fizeram num dia é indispensável definir prioridades, sendo que entre elas está a remoção de normas iniquas que têm constado de sucessivos orçamentos de estado.

O reforço do financiamento do poder local não é uma questão que diga exclusivamente respeito a este, nem deve ser visto numa perspectiva corporativa, nem de luta da administração local contra a administração central. Ele é do interesse nacional. Robustecer as finanças das autarquias é uma forma adequada de gerir e aplicar recursos em prol do desenvolvimento do País e da melhoria das condições de vida das populações. É também uma maneira de contribuir para que Portugal saia da crise em que se encontra, mobilizando esforços e energias e permitindo que cada nível de poder assuma com dedicação e com condições o papel que lhe compete na afirmação dos princípios da coesão económica e social. É hora de mudança e hora de contribuir para o desenvolvimento do país.

 

José Maria Pós-de-Mina

 

 

1 Estimativa de receita com base nos valores previstos para 2015 de 178,366 milhões de euros.

2 Estimativa de 152,248 milhões de euros com base na Conta Geral do Estado de 2014.