É necessário retomar os valores de Abril e para concretizar o projecto constitucional e os objectivos estabelecidos na Lei de Bases do Sistema Educativo, é necessário inverter um vasto conjunto de políticas, rompendo com o caminho de desmantelamento da escola pública.

 

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Manifestação por melhores condições materiais na escola pública 

(Escola Secundária Ferreira Dias, Agualva)

 

Os governos foram passando e, apesar dos avanços e recuos verificados em matéria de educação e ensino, há um denominador comum a todas as épocas, que é o facto de, ao longo dos últimos 40 anos, sempre terem estado em confronto dois projectos educativos: o que defende a formação do indivíduo ao serviço da economia, que condiciona as qualificações às necessidades dos grupos económicos; e o projecto da formação integral do indivíduo, que o prepare para a vida profissional, mas também para uma intervenção na vida social, política e cultural do país. São, no fundo, duas formas de ver a sociedade muito distintas.

Pela mão de sucessivos governos, a escola pública foi sendo atingida por golpes normativos, financeiros e políticos, que têm contribuído para a degradação do seu papel decisivo no sentido da eliminação das assimetrias sociais, da emancipação individual e colectiva dos cidadãos e da formação integral do indivíduo. O desinvestimento na escola pública, levado a cabo por sucessivos governos, teve como finalidade destruir a escola pública e, assim, favorecer a escola privada.

Podemos afirmar que os regimes de transferências de competências do Governo para os municípios, com especial destaque para a transferência de equipamentos e de pessoal abriram caminho “a uma escola pública a várias velocidades e ao agravamento das desigualdades de oportunidade entre os alunos.

Os governos delegaram competências nos órgãos municipais ou intermunicipais, que de alguma forma corroem a escola pública e universal: definição da rede escolar e da oferta educativa e formativa; gestão do calendário escolar e dos processos de matrículas e de colocação dos alunos; gestão orçamental e de recursos financeiros; recrutamento de pessoal para projectos específico; selecção, aquisição e gestão de equipamentos escolares, mobiliário, economato e material de pedagógico. Em articulação e colaboração com as escolas passam a poder, também, definir componentes curriculares de base local e dispositivos de promoção do sucesso escolar e de estratégias de apoio aos alunos.

Nesta via, que já leva 20 anos, sem garantir de qualquer forma que a transferência não é uma mera deslocação de competências para as câmaras, os sucessivos governos encontraram esta fuga para evitar gastos de investimento na escola pública. Irresponsavelmente, as políticas educativas, em vez de serem definidas pelo ministro da Educação, passaram a ficar sujeitas à competência ou falta dela de centenas de presidentes das câmaras e de vereadores da Educação, não se garantindo o envolvimento da comunidade local.

Um sistema de ensino global nacional passou a estar sujeito à maior ou menor sensibilidade de um presidente da câmara para a área da Educação e à sua competência e até à sua personalidade.

A educação passa assim a ser um campo de batalha eleitoral autárquica, com prejuízo claro para as comunidades educativas. O caso de Sintra é exemplar. Senão vejamos.

A transferência de competências pressuponha a transferência de um pacote financeiro para a realização de obras nas escolas de primeiro ciclo, que por sua vez obrigava os municípios à revisão das suas cartas educativas. Assim, em 2007, a Câmara Municipal de Sintra procedeu à revisão da Carta Educativa e, de uma assentada, levou ao encerramento de 20% das escolas básicas do 1.º ciclo do município de Sintra, ou seja, propunha-se o encerramento duas dezenas de escolas do 1.º ciclo de um total de 103 em funcionamento.

Em 2010, o Ministério da Educação apresentou o Reordenamento da Rede Escolar que envolvia o encerramento de mais de 700 escolas em todo o País. Em Sintra propunha-se o encerramento de uma dezena de estabelecimentos, tendo esta medida sido concretizada.

O panorama ao nível do 2.º ciclo de ensino não era melhor. A transferência de escolas realizou-se para o município, sem os necessários cuidados e actualmente o parque escolar municipal de Sintra necessita de importantes obras de reabilitação, que segundo dados apurados em 2016 ascende a um investimento de 40 milhões de euros.

Veio o actual Governo falar de transferências ao nível de equipamentos das designadas escolas secundárias. Se o cenário de necessidades de investimento para o primeiro e segundo ciclo é urgente, a situação em Sintra também não tranquiliza ao nível do secundário. Alguns exemplos: necessitam de obras a Escola Secundária de Mem Martins, a escola Secundária de Santa Maria, a escola Padre Alberto Neto, a escola secundária de Casal de Cambra, entre outras. As necessidades de investimento ascendem a mais de 30 milhões de euros.

O caso mais dramático é a Escola Secundária de Ferreira Dias. Trata-se de um estabelecimento de ensino com cerca de 53 anos ao serviço da comunidade, com um forte papel na Cidade de Agualva-Cacém e de importância estratégica como agente do desenvolvimento do município. Até aos dias de hoje, o edifício inicial, não sofreu alterações significativas. A escola acompanhou os diferentes momentos de crescimento da cidade de Agualva-Cacém, tendo contribuído de igual forma para a sua formação.

Com cerca de 1750 alunos em período diurno e cerca de 300 no período nocturno, a escola devia estar em obras desde Setembro de 2010. A Parque Escolar suspendeu as obras que estavam avaliadas em cerca de 15 milhões de euros.

Estas e outras situações exemplificam o que é a destruição da escola pública e a sua passagem para os municípios. Imprescindível para o desenvolvimento económico e social do país, a democratização da educação só é possível com uma escola pública, gratuita e de qualidade para todos, uma escola onde seja garantida a igualdade de oportunidades no acesso e no sucesso, uma escola valorizada com mais investimento e estabilidade.

Para isso é necessário retomar os valores de Abril e para concretizar o projecto constitucional e os objectivos estabelecidos na Lei de Bases do Sistema Educativo, é necessário inverter um vasto conjunto de políticas, rompendo com o caminho de desmantelamento da escola pública.

 

 

Pedro Ventura

(vereador na Câmara Municipal de Sintra)