Introdução
Em breve, iremos assinalar os 15 anos sobre a data (maio de 2003), em que o ocorreu a Conferência Nacional – O PCP e o Poder Local, na qual se procurou reflectir sobre a intervenção nas autarquias e a acção local deste partido.
A Conferência, que se realizou durante dois dias, debruçou-se sobre diferentes temas e áreas de actuação das autarquias locais, em particular sobre as questões ambientais, emergindo a reflexão em torno dos sistemas de águas, saneamento de águas residuais e a recolha e tratamento de resíduos sólidos urbanos.
Nas conclusões da iniciativa, a propósito de salvaguarda dos serviços e gestão pública da água, era referido a dado passo que «(...) num quadro em que (…) se avolumam pressões para a desresponsabilização pública neste domínio e em que se procura reduzir a relação entre os serviços e os utentes ao principio do utilizador/pagador(…)» importava actuar, intervir e agir em defesa da água pública, definindo-se de seguida as «(…) linhas de trabalho, orientações e princípios (…)» da actuação dos eleitos do PCP nas autarquias locais. Estas orientações, que não se desligavam da realidade existente, à data, nem do facto de nos inícios da década dos anos de 1990, o governo do PPD/PSD de Cavaco Silva ter revogado a Lei 46/77 (lei de delimitação dos sectores), e ter publicado o DL 372/93, de 29 de outubro, possibilitando a participação de capitais privados nos sistemas públicos de abastecimento de água, saneamento e resíduos municipais.
Estava dado o «pontapé de saída», para a ofensiva, que ao longo dos últimos anos, tem vindo a ser desenvolvida contra a gestão pública da água.
Longa tem sido a produção legislativa e a «teorização ideológica» para justificar a «privatização da água».
Os últimos 25 anos, ficam marcados pela ofensiva contra a água pública por parte dos governos PSD, PS e PSD-CDS/PP.
Num «primeiro patamar», com a imposição da criação de sistemas multimunicipais (de abastecimento em «alta»), e posteriormente, num «segundo degrau», com a agregação desses sistemas e a criação de quatro empresas «megalómanas», … apetecíveis para a entrada de capital privado.
As políticas seguidas, nas últimas décadas, têm materializado a opção pela água como bem económico e não como direito humano fundamental. Tendo como objectivo final transformar a água num bem gerador de renda e lucros.
As actuais políticas para a água e saneamento
Seria expectável, que o atual governo minoritário do PS, saído das eleições para a Assembleia da República de 2015, em face do percurso, precedente, tivesse assumido (na plenitude), a reversão dos processos de agregação dos sistemas de abastecimento de água em «alta», ouvindo os Municípios e respeitando as suas competências e autonomia.
Assim não foi, com efeito, as políticas da actual governação para a área do abastecimento público de águas e saneamento de águas residuais, não se diferenciam em muito das anteriores, quanto aos objectivos a atingir, só se distinguido no modo, no tempo e no ritmo, caracterizando-se pela:
- manutenção da agregação de sistemas multimunicipais (ainda que com áreas geográficas regionais diferenciadas), no abastecimento de águas em «alta», reorganizando os modelos de gestão das anteriores das empresas das Águas do Norte, do Centro e de Lisboa e Vale do Tejo;
- determinação de mecanismos e regras imperativas (incluindo na acessibilidade a fundos comunitários), com a finalidade de se serem constituídas «parcerias de geometria variável» (para os sistemas em «baixa» sob a gestão dos Municípios), que originem «agregações» e novas entidades gestoras. Perdendo os Municípios as suas competências e autonomia, na gestão dos seus sistemas de água e saneamento de aguas residuais;
- manutenção do estatuto da ERSAR, dado pela Lei 10/2014, de 6 de março, cujas competências colidem, em muitas áreas, com as competências e autonomia dos Municípios, em particular no que respeita a «(…) instruções vinculativas quanto às tarifas a praticar pelos sistemas de titularidade municipal que não se conformem com as disposições legais e regulamentares em vigor (…)»
Só assim se compreende que o ministro do Ambiente, Matos Fernandes, na 12.ª Conferência da Água, realizada em Lisboa, nos dias 7 e 8 de novembro, tenha anunciado que a ERSAR já elaborou projectos de revisão dos regulamentos públicos e prediais de água e saneamento, concomitantemente propostas de alteração ao DL 194/2009, de 20 de Agosto, que «(…) estabelece o regime jurídico dos serviços municipais de abastecimento público de água, de saneamento de águas residuais urbanas e de gestão de resíduos urbanos (…)». O Projecto de revisão deste diploma irá, ainda, contemplar, segundo palavras do ministro, «(…) a integração das águas pluviais no âmbito da exploração e gestão dos sistemas municipais urbanos (…)», procurando promover «(…) formas flexíveis de exploração conjunta dos serviços entre entidades gestoras, reconhecendo afinidades regionais a uma escala ótima (…)», leia-se, a verticalização dos sistemas da «alta» com a «baixa».
A par de tais alterações, anuncia-se, segundo a ERSAR, que esteve presente na referida conferência, que o novo «Regulamento Tarifário de Águas e Saneamento» vai definir a existência de uma «banda tarifária» a que os Municípios ficam obrigados, tendo que justificar a subsidiação das tarifas que possam ser suportadas pelo orçamento municipal. Assim como, caso as suas tarifas não fiquem dentro o intervalo da referida «banda tarifária» terão que remeter as suas «contas analíticas» dos seus sistemas e justificar o porquê de não darem cumprimento ao regulamentado.
Daí que na referida iniciativa tenha havido, por parte do representante da SIMAR Loures e Odivelas, o questionamento sobre a legitimidade da ERSAR para impor «bandas tarifárias», que podem, conduzir a »(…) a aumentos das tarifas para os escalões até 5m3 na ordem dos 25%, atingindo, tais aumentos, 70 mil dos 170 mil clientes (…)» das águas de Loures e Odivelas.
Conclusão
Em conclusão, perante o actual quadro das políticas para o sector da água do governo do PS, importa reafirmar as linhas de orientação de há muito traçadas pela Conferência Nacional – O PCP E O PODER LOCAL, as quais determinam, entre outras, a defesa da «preservação do carácter público da intervenção e da prestação dos serviços por parte das autarquias no domínio do saneamento e abastecimento de água», e que estão reforçadas com as conclusões do XX Congresso do PCP, de Dezembro de 2016, reafirmando-se e defendendo-se a «garantia de uma administração e serviços públicos ao serviço do Povo e do País», assumindo-se a emergência de se «combater a pressão para a mercantilização da água garantindo o direito fundamental à água e ao saneamento (…) garantindo a propriedade pública da água (…) valorizando a papel das autarquias , respeitando as competências municipais em particular no que se refere aos Serviços Urbanos da Água», na medida em que, «a privatização destes sistemas, não só transforma o direito universal à água em mercadoria, como retira às populações e ao poder local qualquer capacidade de intervenção democrática na sua gestão».
José Figueira
(sociólogo)