Há poucos dias (22 de março), assinalou-se o «Dia Mundial da Água». A esse propósito a UNICEF – Fundo das Nações Unidas para a Infância, publicava um relatório, no qual denunciava que cerca de 600 milhões de crianças estavam carentes de água potável, numa situação grave de risco das suas próprias vidas.

Vem isto a propósito da luta que se tem vindo a travar nas últimas décadas em defesa da água pública e do papel que as autarquias locais, em particular os municípios, têm tido desde a fundação do poder local democrático, pós-25 de abril de 1974, na criação de infraestruturas de redes de abastecimento de água e de saneamento de águas residuais e na gestão do fornecimento de água potável às suas populações.

Mas se, esta é uma constatação indesmentível, não o será menos, o facto, de a partir dos inícios da década dos anos de 1990, com a publicação do Decreto-lei 372/93, de 29 de outubro, pelo então governo liderado por Cavaco Silva, que altera a lei de delimitação dos Sectores - Lei n.º 46/77, permitir-se a participação de capitais privados nos sistemas públicos de abastecimento de água, saneamento e resíduos municipais. Estava dado o «pontapé de saída», para a ofensiva, que ao longo dos últimos anos, tem vindo a ser desenvolvida contra a gestão pública da água.

Podíamos enumerar a longa produção legislativa e «teorização ideológica», que nos tem assaltado, no sentido de se justificar a privatização da água.

Com efeito, os últimos anos, ficam marcados pela ofensiva contra a água pública, dos governos PS e PSD-CDS/PP. Num «primeiro patamar», com a imposição da criação de Sistemas Multimunicipais (de abastecimento em «Alta»), e, posteriormente, num «segundo degrau», com a agregação desses sistemas e a criação de quatro empresas «megalómanas», com vista a serem apetecíveis para a entrada de capital privado.

Seria expetável que as presentes políticas (da responsabilidade do atual Governo), revertessem a situações impostas anteriormente (no respeito pela autonomia e as competências dos municípios), algumas delas de desastrosa gestão, com impactos económicos e financeiros de todo impagáveis e com reflexos na vida das populações.

Tal, não aconteceu.

Antes pelo contrário, não só não se respeitou a vontade de alguns municípios (de pretenderem sair dos atuais sistemas multimunicipais e aderirem a outros sistemas, como por exemplo ao Sistema de Parceria Pública Integrado de Água do Alentejo), como se avançou para um «novo ciclo» de imposição de agregações, mas agora, nos «sistemas em Baixa», ou seja, nos sistemas diretamente associados ao abastecimento de água e ao tratamento de águas residuais geridos pelas Câmaras Municipais.

Este novo ciclo, tal como os anteriores, caracteriza-se pela utilização dos mecanismos do acesso aos apoios comunitarios, para impor as «agregações dos sistemas em Baixa», que estão sob a responsabilidade dos municípios. Ficam privados dos apoios comunitários todos os municípios (dois terços dos atuais 308 municípios), que não se encontram agregados. Ou seja, marginalizando os que não aceitem a imposição das políticas definidas pelo atual Governo.

É neste quadro, que a Defesa da Água Pública é um paradigma sempre presente e a prosseguir, na medida em que, só a luta na sua defesa assegurará aos municípios a salvaguarda da sua autonomia e a gestão pública da água ao serviço das populações e do desenvolvimento das regiões.

 

 

José Figueira

(sociólogo)