É conhecido o quadro em que os Municípios da península de Setúbal (excepto Almada) foram «conduzidos» a aderir a um sistema multimunicipal para a gestão e tratamento do saneamento em alta. Neste sistema, a administração central através da Águas de Portugal (AdP) assume a maioria do capital, com 51%, e os Municípios ficam com 49%. Tal aconteceu face «chantagem» do então secretário de estado do Ambiente, José Sócrates, que afirmava que se os Municípios não integrassem o sistema, não poderiam ter as necessárias obras de saneamento comparticipadas por fundos comunitários.
Esta situação levou à decisão de constituir este sistema, designado SIMARSUL, em 2003, com a participação do Estado e oito dos nove Municípios da península de Setúbal. Em 2004 foi constituída a empresa gestora do sistema e foi aprovado um estudo de viabilidade económica e financeira (EVEF). A empresa começou a operar em 2005, com prazo de concessão por 30 anos (até 2034). Desde essa data e até 2015, ano da sua extinção e fusão por iniciativa imposta pelo governo do PSD/CDS, que contou com a oposição de todos os Municípios, a SIMARSUL realizou investimentos em equipamentos e infra-estruturas novalor de cerca 206 milhões de euros. Ou seja, foi executado, em 11 anos, 91% do Plano de Investimentos inicial, no valor total de 227,6 milhões de euros, tendo sido alcançado o objectivo principal, o de tratar todos os efluentes domésticos das populações abrangidas pelo sistema. De facto, o Município do Seixal, desde 2008, trata 100% dos efluentes domésticos da sua população, com benefícios evidentes para a qualidade de vida e ambiente, o mesmo acontecendo com os restantes Municípios.
Mas pese embora este aspecto extremamente positivo, verificámos que existiram expectativas e pressupostos que não foram cumpridos ou verificados, obrigando os Municípios e populações a pagar muito mais do que à partida era esperado.
Começando pela falácia dos fundos comunitários. De facto, se outros sistemas tiveram comparticipações a fundo perdido na ordem dos 80%, como foi o caso da SANESTE e SIMTEJO, a SIMARSUL quedou-se pelos 33%, num montante de 74,2 milhões de euros, de que resulta uma tarifa muito elevada, paga pelas autarquias e populações (o Estado não paga nada).
Outro aspecto extremamente negativo resultou da não entrada em pleno do Município de Setúbal no sistema em 2004. Facto que também não sucedeu em 2008, contrariamente ao que ficou posteriormente previsto. Apesar de ser accionista da empresa, A SIMARSUL estava impedida de intervir no município de Setúbal, pois o Estado, em 2003, mesmo sabendo que Setúbal tinha já uma concessão do saneamento a uma empresa com capitais públicos, aprovou o sistema multimunicipal com integração daquela autarquia, levando à existência de duas concessões no mesmo município. Mas o Estado, em vez de resolver a situação, vendeu a sua posição na empresa concessionária de saneamento de Setúbal, hipotecando a entrada plena deste município na SIMARSUL, pois a concessão de Setúbal só termina em 2023. Foi, assim, criada pelo Estado uma dupla concessão, cujos governantes e dirigentes da administração central diziam, à data, que iriam resolver, mas que não aconteceu, apesar da forte insistência das autarquias, que durante anos foram colocando esta questão, quer nas Assembleias Gerais da empresa, quer nos contactos com os vários governos, sem resposta. Este facto veio uma vez mais influenciar negativamente a tarifa paga pelos municípios, gerando prejuízos para a própria empresa, no valor apurado de 63,4 milhões de euros.
Um terceiro aspecto prende-se com o aparente sobredimensionamento das infra-estruturas construídas. Na verdade, o EVEF de 2004, (que já incluía Setúbal, e que teve em conta o desenvolvimento previsto nos Planos Directores Municipais (PDM) então em vigor, preconizava que num ano de projecto se tratassem anualmente 63.101.835 m3 de efluentes. Mas a realidade dos valores efectivamente tratados está muito abaixo daquele referencial, prevendo-se no novo EVEF de 2016 tratar anualmente 38.381.806 m3, ou seja, menos 40% do inicialmente projectado. Fica a dúvida se seria necessário investir os 200 milhões de euros, entretanto já gastos, se a AdP tivesse promovido a revisão e a adaptação do EVEF à realidade verdadeiramente existente.
Analisada de forma sintética a vida da SIMARSUL iniciada em 2004 e extinta por decisão do governo do PSD/CDS em 2015, as autarquias da península de Setúbal e, em particular, as de maioria CDU, não desistiram de lutar pelo regresso dos municípios à intervenção na gestão directa desta empresa, tendo desenvolvido várias acções de luta para o retorno da mesma. Luta que foi conseguida com a decisão, já em 2017, de constituir a nova SIMARSUL. Mas é preciso dizer que o actual governo PS não aceitou a proposta para substituir o modelo multimunicipal por uma parceria do Estado com os municípios, de 50%-50%, nem para reforçar a componente de fundos europeus para reduzir a tarifa. O Governo também não assumiu as responsabilidades pela não entrada plena de Setúbal em 2004, que tem menorizado sobremaneira a acção da empresa e condicionado os benefícios da mesma para as populações e para o ambiente, com o aumento de custos para as populações.
Em primeiro lugar, a parceria proposta colocava as autarquias como efectivas parceiras do Estado na gestão da SIMARSUL, devolvendo-lhes a titularidade das competências perdidas com o sistema multimunicipal, possibilitando melhores decisões e capacidade de influência nas principais decisões estratégicas e operacionais, com especial referência para o bloqueio de uma eventual intenção de futura privatização. Em segundo lugar, o Governo não foi sensível ao reduzido apoio de fundos europeus, não dando qualquer perspectiva para a sua conquista e integração. Em terceiro, colocou no EVEF 2016 que os 90 milhões de euros de custos referentes a Setúbal só entrar em 2023 no sistema, terão que ser pagos através da tarifa, pelos municípios e populações. Isto resulta numa tremenda injustiça e deslealdade política e institucional, na medida em que a responsabilidade desta situação existir cabe unicamente ao Estado.
Em conclusão, se o regresso da SIMARSUL foi uma conquista conseguida através da luta consubstanciada em propostas das autarquias de maioria CDU, ficaram por resolver as três situações acima apontadas. A sua resolução é essencial para o futuro, sendo necessário desde já prosseguir a luta por mais e melhor serviço público de tratamento de efluentes, ao serviço das populações e do desenvolvimento da região de Setúbal.
Joaqui Santos
(presidente da Câmara Municipal de Seixal)