Desde o 25 de Abril, o Poder Local Democrático tem sido determinante no sector das Águas e resíduos, contribuindo para o crescimento e desenvolvimento das condições de vida das populações em todo o país. Dada a sua dimensão, a corrente neoliberal procurou desde sempre dominar o que designou de «negócio da água», juridicamente e tecnicamente um monopólio natural, que envolve milhões de consumidores e, por isso mesmo, gerador de milhões de euros em dividendos.
A destruição deste monopólio público em Portugal foi particularmente actuante durante a década de 90 do século passado, abrindo progressivamente a porta à vontade dos privados por via de privatizações ou concessões, regredindo do entendimento global de que se tratava de um direito fundamental (assim expressamente reconhecido pela Assembleia Geral das Nações Unidas, através da resolução A/RES/64/292), transferindo esse estatuto para o plano da mercadorização.
A alteração à Lei de Delimitação de Sectores, a alteração dos estatutos jurídicos da Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos (ERSAR) e, por fim, a alteração ao Regime Jurídico dos Serviços de Âmbito Municipal de Abastecimento Público de Água, de Saneamento de Águas Residuais e de Gestão de Resíduos Urbanos, vêm claramente retirar a gestão destes sectores às autarquias, a quem mais sabe gerir o bem público e quem mais conhecimento e experiência técnica e local possui, junto das populações.
Esta afirmação do primado da posse privada contra a posse pública teve particular apoio nos dois últimos governos do PSD e CDS. Foram feitas alterações muito severas pelos XIX e XX governos constitucionais, no âmbito da reestruturação destes sectores, que representam transformações substanciais no papel do Poder Local e na configuração jurídico-constitucional que lhe conhecemos.
Em 2015 o processo adquiriu nova dinâmica, em que, juntamente com o sistema multimunicipal de abastecimento de água e de saneamento do Norte de Portugal, do sistema multimunicipal de abastecimento de água e de saneamento do Centro Litoral de Portugal, foi aprovada a criação do sistema multimunicipal de abastecimento de água e de saneamento de Lisboa e Vale do Tejo, – Sociedade Águas de Lisboa e Vale do Tejo, S.A., - que agregou oito sistemas multimunicipais e um total de 84 municípios.
Se nos anos 90 do século passado foram dadas muitas machadadas neste sector, em 2015 formaram-se as condições perfeitas para uma privatização plena e total do sector das águas. Como consequência imediata, também de amputava uma das competências mais importantes do Poder Local Democrático porque retirou aos municípios a capacidade de intervenção directa na gestão das infra-estruturas, concretizou a delegação da gestão do sistema numa entidade completamente alheia aos municípios e diluiu o papel de cada município na gestão.
Por isso, os municípios manifestaram a sua oposição a todo o processo que levou à concretização deste novo sistema e por isso rejeitaram a extinção dos sistemas multimunicipais agregados à nova empresa e recusaram aderir ao sistema de Águas de Lisboa e Vale do Tejo.
O XXI governo constitucional, do PS, viu-se confrontado com uma correlação de forças desfavoráveis à privatização do sector da água e à reformulação em vigor. Importa referir que também foi durante governos do PS, tendo como ministro Nunes Correia, que se consolidaram as concessões da água, que mais não eram do que privatizações da água.
O PCP manifestou imediatamente a necessidade de reversão urgente da fusão dos sistemas de água e saneamento e por pressão dos seus militantes eleitos nos vários órgãos, e através da mobilização das populações, foi possível avançar com uma solução, que não sendo a reversão plena, foi um passo no bloqueamento da privatização que estava em curso. Importa acentuar que o processo foi bloqueado mas não selado. Para tal seria necessário vedar o sector das águas à gestão privada e isso ainda não foi conseguido.
A nova empresa, designada Águas do Tejo Atlântico, resultante da cisão da empresa Águas de Lisboa e Vale do Tejo, dá resposta a algumas questões colocadas pelos municípios. Assim e aguardando ainda desenvolvimentos finais no que concerne à empresa «Águas do Tejo Atlântico» podemos sublinhar desde já:
§ A criação de condições para manter as tarifas de águas residuais a cobrar aos municípios, muito abaixo do imposto pelo governo anterior;
§ O fim da gestão delegada na EPAL passando tal a ser da responsabilidade de uma comissão executiva com elementos da Águas de Portugal (AdP) e dos municípios;
§ A diminuição do número de accionistas e do território abrangido;
§ A adopção de documentos que salvaguardam de forma eficaz os interesses dos municípios e do serviço público;
§ A abertura do governo para discutir, de uma forma global, o preço da água cobrada aos municípios.
A política da água é assim um eixo de defesa do serviço público, que dada a sua vital importância para as populações e para o país, deveria receber do estado um apoio no investimento e no sentido de garantir o igual acesso de todos. Tal desiderato só é plenamente alcançado quando este sector for inteiramente público, com impossibilidade de concessões ou privatizações que apenas têm contribuído para agravar as desigualdades sociais e regionais.
A luta do PCP e dos seus eleitos foi fundamental, nesta fase do processo para obter alterações e compromissos que salvaguardam os interesses dos municípios e das populações face ao inicialmente proposto. Importa ainda assinalar que a hipotética privatização da AdP fica mais condicionada com a proposta atual de acordo parassocial, dado que a tomada de decisões estratégicas da nova empresa não cabe apenas aos representantes da força accionista da AdP.
Estes avanços, que apesar de conterem limitações, foram conseguidos graças à firmeza dos eleitos do PCP que sempre entenderam o cerne da questão: futura privatização ou não do sector da água. Por isso importa estar vigilante e continuar a mobilizar as populações para a defesa da água pública. Porque a água pública é de todos e a privada é só de alguns.
Pedro Ventura
(vereador da Câmara
Municipal de Sintra)