A privatização da água em Portugal foi disfarçada com a utilização recorrente do termo concessão. O universo de concessões ao nível municipal no sector das águas e saneamento básico é constituído por 27 concessões que foram adjudicadas a operadores privados. Este modelo de gestão de concessões de abastecimento de água e saneamento de águas residuais “em baixa” vigora em Portugal há cerca de 20 anos.


A primeira concessão de sistema municipal, o sistema de Mafra, ocorreu em 1994 sendo esta considerada uma concessão de “primeira geração” já que o investimento a realizar é da responsabilidade do município concedente. O mesmo sucede na concessão da Batalha e na concessão de Alcanena. Já na concessão de Santo Tirso/Trofa, adjudicada em 1998, a execução do investimento encontra-se na esfera de responsabilidade da concessionária apresentando, por isso, característica de um contrato de concessão de segunda geração.

Em 2011 registou-se a criação de uma nova concessão municipal no Fundão. A Aquafundália substituiu a Câmara Municipal do Fundão na prestação do serviço de abastecimento público de água em baixa.


Os operadores privados adjudicatários das concessões integram cinco grupos económicos:

  • Aquapor S.A.;
  • Companhia Geral das Águas de Portugal, Consultadoria e Engenharia, S.A. [CGEP], que operava em Portugal com a marca Veolia ;
  • Indáqua - Indústria e Gestão de Água, S.A.;
  • Aqualia Gestión Integral del Agua, S.A.; e,
  • AGS – Administração e Gestão de Sistemas de Salubridade, S.A.

Note-se que nas concessões de águas em Portugal, os grupos económicos geridos por espanhóis, através da Aqualia, S.A., e por chineses, através da Veolia, S.A., representam cerca de 30% do sector. Em termos gerais, a concessão a operadores privados do sector das águas assentou no pressuposto da incapacidade financeira de alguns municípios em realizar as infraestruturas necessárias à reestruturação dos sistemas de águas e de saneamento.

Este argumento apenas pretendeu mascarar uma posição ideológica, ou seja, a água não é um bem-público, é uma mercadoria. E a pressa na privatização foi tão grande que 95% dos contratos de concessão de água (sistemas em baixa) existentes não foram objecto de qualquer estudo de viabilidade económico-financeira por parte do concedente com objectivo de avaliar o Value for Money do projecto em relação ao modelo de contratação tradicional. Apenas há evidência da realização do referido estudo na concessão de Santa Maria da Feira que data de 1996! As consequências para o erário público são desastrosas.

No âmbito da execução dos planos de investimentos integrados nos contratos de concessão auditados, foram registados os seguintes encargos públicos:

  • Figueira da Foz - € 8.698.396,65
  • Ourém - € 1.832.267,64
  • Barcelos - € 5.780.366,00
  • Batalha - € 324.476,03
  • Fundão - € 3.250.000,00
  • Alcanena - € 725.253,61
  • Setúbal - € 19.960.101,71
  • Paços de Ferreira - € 3.838.126,61
  • Santa Maria da Feira - € 43.543.193,11
  • Carrazeda de Ansiães - € 413.913,82
  • Fafe - € 4.987.978,97


O conjunto das concessões que registaram encargos públicos directos (58% dos contratos auditados) representou um investimento público global na ordem dos € 93.354.074,15. Os contratos de concessão com o maior nível de encargos públicos são os seguintes:

  • Santa Maria da Feira - € 43.543.193,11
  • Setúbal - € 19.960.101,71
  • Figueira da Foz - € 8.698.396,65
  • Barcelos com € 5.780.366,00

No entanto, na concessão de Barcelos os encargos públicos poderão aumentar substancialmente com a execução da decisão do Tribunal Arbitral que condenou a Câmara Municipal de Barcelos a pagar à Águas de Barcelos, de forma faseada até ao termo do contrato, cerca de 172 milhões de euros. Actualmente, a preços de 2015, o valor já ultrapassa os 200 milhões de euros.


No conjunto dos 27 contratos de concessão adjudicados no período de 1994 a 2011 verificou-se que, em 37%, ocorreram prorrogações do prazo inicial que oscilaram entre 5 a 15 anos. Outros tiveram prorrogação de prazo entre 15 a 30 ou 50 anos, ou seja, o que é uma concessão passa a ser definitiva. O que era público, passa efectivamente a ser privado. Por isso afirmamos que concessão ou privatização é a mesma coisa, de um ponto de vista prático.


Actualmente, dado que o grau de endividamento municipal em relação às concessões assume valores financeiros incomportáveis, cerca de 33% dos contratos de concessão encontram-se em fase de negociação da alteração contratual. Encontram-se nesta situação os contratos de concessão respeitantes a Azambuja, Gondomar, Setúbal, Mafra, Ourém, Vila do Conde, Trancoso, Matosinhos e Valongo.


Em termos gerais justificativos, os municípios concedentes destacaram como factores de risco “elevado” das concessões, susceptíveis de implicarem compensações directas às concessionárias, na sequência de processos de reequilíbrio, as estimativas de procura abaixo do caso base. Tratou-se do caso das entidades concedentes de Azambuja, de Figueira da Foz, de Ourém, de Paredes, de Santa Maria da Feira, de Matosinhos, de Vila do Conde, de Paços de Ferreira, de Marco de Canaveses e de Barcelos, o que representou cerca de 37% das concessões. Para além deste aspecto, surgem como factores críticos do negócio, apontados pelas concessionárias, as dívidas incobráveis, o aumento dos custos do financiamento e do custo de água comprada.


Não se garantiu o interesse público e isso é evidente quando:

  • Não se efectuou a transferência de risco para o parceiro privado/concessionária;
  • Se garantiram caudais mínimos;
  • O privado não assumiu riscos inerentes às actividades de exploração e financiamento da concessão;
  • Dos contratos não constam, de forma discriminada e detalhada, os riscos a assumir por cada um dos parceiros;
  • Os contratos não identificam as situações susceptíveis de gerarem partilha de benefícios entre as partes, utentes, concedente e a concessionária;
  • Os contratos não enunciam, de forma clara, os objectivos da parceria/concessão, bem como, os resultados que se pretendem do parceiro privado;
  • As concessões não contemplam um prazo de vigência do contrato adequado ao ciclo de vida e às especificidades do investimento a realizar;
  • O modelo de concessão não apresenta, para o concedente, vantagens relativamente a outras formas alternativas de alcançar os mesmos fins;
  • As tarifas apenas pretendem garantir o lucro do privado.

Analisando as 27 concessões, não existem evidências de qualquer preocupação, por parte do município, com a análise de risco e de sustentabilidade dos potenciais impactos financeiros associados a eventuais cenários adversos da concessão. Isto leva a que os interesses financeiros do município e dos próprios utilizadores não sejam devidamente defendidos.  As cláusulas dos contratos relacionados com o reequilíbrio financeiro revelaram-se demasiado abertos e não permitiram identificar de forma clara e objectiva os eventos elegíveis para accionar esse mecanismo.


Até agora, das alterações contratuais que se efectuaram, tal nunca levou a qualquer redução do tarifário em benefício dos consumidores. As TIR (taxa interna de rentabilidade) accionistas continuam elevadíssimas, não atendendo ao actual quadro orçamental e económico que os municípios e as famílias vivem. Tal exemplifica-se facilmente com as Taxas de Rentabilidade que oscilam entre os 9,5% em Cascais e os 15,5% em Campo Maior.

Por tudo isto, é necessário remunicipalizar o sector da água, porque a água é um bem público e não uma mercadoria.

Pedro Ventura