Junta de Freguesia de Rio de Mouro

Apontamentos e reflexões a partir de uma experiência de trabalho autárquico em minoria.

 

Na sequência das eleições autárquicas de 2013, assumi funções no executivo da Junta de Freguesia de Rio de Mouro, em situação de minoria, com pelouros atribuídos: Cultura, Desporto, Juventude, Obras, Mercados e Atividades Económicas. A presença no executivo correspondeu ao exercício de responsabilidades em condições de autonomia e independência face à força política maioritária, aplicando uma conceção e uma prática de procura de entendimentos alargados para a resolução dos problemas concretos da freguesia, a par de uma atitude construtiva e de acolhimento de todas as propostas visando resolver os problemas locais, sem abdicar de uma linha de denúncia e de combate às medidas consideradas negativas com a, necessária, apresentação de soluções alternativas.

 

Rio de Mouro é uma das freguesias urbanas do município de Sintra. Tem aproximadamente 48 mil habitantes e uma área de 17 quilómetros quadrados. É uma freguesia cuja heterogeneidade, em termos da composição demográfica, social e económica e da ocupação e uso do solo, traduz a diversidade existente no distrito de Lisboa. A participação no executivo da junta, dando expressão a uma desejável pluralidade, constituiu uma oportunidade de valorização e afirmação de um projeto autárquico alternativo que, pela sua natureza, é um projeto contrastante com as abordagens dominantes, e cuja principal característica é a sua dimensão coletiva, onde os valores de abril assumem um lugar central nas políticas prosseguidas.

 

O trabalho desenvolvido resulta da intervenção direta do eleito que ocupa o cargo e que, inegavelmente, dedica mais do seu tempo a esta função particular, mas não é resultado exclusivo da sua ação. Resulta também da soma de esforços convergentes de muitas vontades, experiências e saberes individuais, que tomam parte ativa na governação, ainda que, muitas vezes, de forma indireta. E porque coletivo, trata-se de um projeto participado. Participado desde logo pelos trabalhadores da autarquia, convidados a dar o seu contributo na elaboração dos planos de atividades e na configuração concreta dos projetos, ações e medidas previstos nas opções do plano, assim como na sua avaliação. Participado também pelas populações na tomada de decisão, com a auscultação dos interessados em cada momento, o levantamento das necessidades sentidas pelos moradores dos diferentes bairros e a discussão pública dos projetos da autarquia. São de destacar três exemplos de grande envolvimento da população:

          i) o caderno de encargos do Bairro da Tabaqueira construído em sucessivas reuniões com a população e apresentado à Câmara Municipal, tendo o bairro conhecido já obras de requalificação do espaço público;

          ii) a luta bem-sucedida contra o encerramento da extensão do centro de saúde em Albarraque, com a resolução do problema da falta de médicos;

          iii) a luta vitoriosa contra a implementação de parquímetros na freguesia, projeto da Câmara Municipal com o apoio inicial da força maioritária na junta.

 

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Reunião com a população do Bairro da Tabaqueira

 

Seguindo a mesma linha de participação popular, teve lugar, em parceria com a Confederação Portuguesa das Colectividades de Cultura, Recreio e Desporto (CPCCRD), o primeiro encontro interassociações, com o objetivo de reunir todo o movimento associativo da freguesia. O ponto de partida, que antecedeu o encontro, foi o inquérito às associações e coletividades, destinado ao recenseamento de instituições e à caracterização e identificação de problemas e potencialidades. O êxito do encontro levou-nos à assinatura de um protocolo com a CPCCRD dirigido à formação de agentes associativos, de forma a capacitá-los para as tarefas que desempenham. O terceiro momento desta intervenção está em curso e visa a criação de uma rede associativa, fomentando complementaridades e economias de escala, de modo a alargar as respostas de cultura, recreio e desporto existentes. Neste âmbito, o apoio financeiro ao movimento associativo já não é feito apenas por instituição, mas por projeto apresentado. Mantendo o mesmo nível de financiamento, duplicámos o número de projetos desenvolvidos.

 

No que às atividades económicas diz respeito, foi celebrado um protocolo com a Confederação Portuguesa dos Micro, Pequenos e Médios Empresários (CPPME), que passou a ser consultora da Junta para a dinamização do comércio local e que inclui ações de formação e apoio técnico aos comerciantes. Foi iniciado um inquérito de recenseamento da atividade comercial da freguesia, que culminará com um encontro, à semelhança do que sucedeu com as coletividades. Também os mercados e postos de vendas mereceram a nossa atenção, considerando a sua importância enquanto núcleos de abastecimento das populações, particularmente em tempo de crise. Para além dos projetos em curso para a requalificação física dos dois postos de vendas geridos pela junta, foi estabelecida uma parceria com a Associação de Feirantes de Lisboa para a criação de uma feira semanal e para a dinamização de um dos postos de venda existentes, que serve uma população de quase 15 mil habitantes. Apostámos ainda nas feiras de artesanato mensais, que têm lugar no Mercado Municipal de Rio de Mouro. Ao mesmo tempo que impulsionamos um espaço camarário, promovemos a economia local e fomentamos as expressões artísticas e culturais de base local.

 

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Assinatura de Protocolo com a CPPME

 

No setor da cultura a necessidade de intervenção foi maior. Após a aquisição da casa onde viveu o escultor Francisco dos Santos, em Paiões, foram instituídos dois prémios. O Prémio de Escultura Francisco dos Santos e o Prémio de Pintura e Caricatura Tomás Leal da Câmara, ambos bienais, tendo lugar alternadamente. Para além da promoção dos campos artísticos em questão, promovendo o gosto e a sensibilidade estética nesses campos e da homenagem evidente a duas personalidades da freguesia, pretende-se o envolvimento da população, com particular destaque para a população escolar de todos os ciclos do ensino obrigatório. Outras iniciativas tiveram lugar a nível da cultura. O teatro esteve nos maiores palcos da freguesia, nas escolas e nas coletividades. Cerca de dois mil espetadores assistiram à 1.ª Mostra de teatro de Rio de Mouro. O protocolo com o Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa, permitiu mobilizar uma dezena de investigadores universitários disponíveis para estudar temas locais de Rio de Mouro no período entre 1875 e 1976. Passámos também a ter uma programação mensal regular com teatro e concertos no principal auditório da freguesia, com entrada livre, e intituímos as Conferências do Casino, espaço de reflexão e debate sobre problemas locais da freguesia.

 

A Feira do Livro não se realizava há oito anos. A sua reedição fez-se num novo contexto, em simultâneo com a Semana da Juventude, decorrendo ao longo de um mês inteiro. Rio de Mouro passou a ter um espaço privilegiado para a divulgação de livros com a presença dos autores, tertúlias literárias e pequenas sessões de café-concerto. A par da Feira do Livro foi feito um grande esforço para disponibilizar ao público o vasto espólio bibliográfico da junta. Os quase 30 mil livros estavam à guarda da Câmara Municipal há já 10 anos, sem perspetiva de voltar à freguesia. Foi encontrado um espaço próprio para a biblioteca, onde podem funcionar várias valências: sala de leitura, ponto de acesso à internet, auditório e ginásio. Será o principal pólo de dinamização cultural da freguesia, proporcionando o encontro entre gerações e entre a cultura o desporto.

 

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Feira do Livro

 

Consideramos o acesso à atividade física e ao desporto, tanto em extensão, como em qualidade, um instrumento relevante para a integração social de crianças, jovens e idosos. A generalização da prática da cultura física tem sido feita atendendo às questões da igualdade de género e da democratização do acesso ao desporto, incluindo por cidadãos portadores de deficiência. A parceria com a Associação Portuguesa de Deficientes (APD) aponta nesse sentido. Foram instituídos dois prémios de atletismo, o Prémio Carlos Correia (corta-mato) e o Prémio Jorge Simões (meia maratona). Foram ainda iniciadas diligências para protocolar com escolas e clubes para a continuidade das modalidades do desporto escolar nos clubes da freguesia, começando por duas modalidades-piloto: o basquetebol (masculino e feminino) e o futsal (feminino). Dinamizámos atividades para ocupação do espaço público e dos equipamentos desportivos camarários, dirigidos aos diferentes grupos da população, fomentando hábitos de vivência ao ar livre, assim como a apropriação coletiva do espaço público, ao mesmo tempo que são promovidos os benefícios da prática desportiva. É nesta lógica que se insere a prática regular de caminhadas, aulas de ginástica, fitness, zumba, dança, ioga, entre outras modalidades dos programas Rio de Mouro mexe contigo! e Ritmos Urbanos.

 

A opção de realização pela primeira vez da Semana da Juventude corresponde ao nosso objetivo de trazer para o centro das políticas locais este importante setor da nossa freguesia. A Semana da Juventude apresenta-se no período de encerramento dos festivais de verão e imediatamente antes do início das atividades letivas, momento oportuno para, a pretexto de atividades lúdicas, recreativas e desportivas, colocar em primeiro plano os jovens e as suas aspirações. A Semana da Juventude constitui ainda oportunidade para divulgação de novos talentos, designadamente ao nível do teatro, da música, da dança, da literatura e da fotografia. Por outro lado, em estágios profissionais remunerados e, sobretudo, no Projeto Juventude Ativa, os jovens são desafiados a intervir: pintam muros, embelezam espaços verdes, organizam atividades de cultura e de desporto e preparam a Semana da Juventude.

 

As políticas setoriais adotadas evidenciam uma opção clara de integração de diferentes áreas no mesmo projeto. As comemorações do 25 de abril e do 1.º de maio são um bom exemplo disso mesmo. As Jornadas da Liberdade decorrem durante um mês inteiro, entre abril e maio, e são o pretexto para políticas integradores de cultura, recreio e desporto, onde os valores subjacentes a estas duas efemérides sobressaem nas diversas atividades. A propósito destas duas efemérides foi firmado um protocolo com a União dos Resistentes Antifascistas Portugueses (URAP). A URAP é hoje um parceiro importante da Junta na organização de iniciativas que promovem os valores da democracia e da liberdade.

 

Nas obras avançaram, para além das pequenas intervenções de reparação e construção de passeios, rampas e parques de estacionamento, teve lugar a requalificação de todos os parques infantis e da matinha de Fitares, um grande espaço verde no coração do principal núcleo urbano da freguesia, agora dotado de áreas de lazer e para a prática desportiva. Foi estabelecido com o Instituto de Geografia e Ordenamento do Território da Universidade de Lisboa, um protocolo para o levantamento de equipamentos da freguesia para a produção da Carta de Equipamentos de Rio de Mouro, para além da elaboração do Plano de Valorização Urbana da Freguesia de Rio de Mouro, que servirá e base à programação de intervenções futuras. Existe ainda uma parceria com a APD e com a Associação Olhar Activo para identificação das barreiras urbanísticas, de modo a proceder-se a uma intervenção planeada neste domínio.

 

RM vargemondar

 

Parque Infantil de Varge Mondar, uma promessa por cumprir há mais de 20 anos

 

O projeto autárquico até aqui prosseguido foi abruptamente interrompido de forma unilateral por ação da força maioritária. Isto leva-nos para as reflexões finais, partindo da experiência concreta de trabalho em minoria. O projeto levado a cabo não é a soma das diferentes iniciativas concretizadas, por muito interesse particular que cada uma delas possa ter por si própria. Foi uma oportunidade para defender e afirmar valores fundamentais como:

          i) a preservação do caráter público da gestão dos serviços da autarquia, reduzindo ao mínimo possível a externalização de serviços, privilegiando a administração direta;

          ii) a participação dos cidadãos e o seu efetivo controlo e decisão nas opções de fundo;

          iii) a valorização e a dignificação dos trabalhadores da autarquia (defesa intransigente das 35h, sem adaptabilidade, e combate à precariedade);

          iv) a transparência e a prestação regular de contas;

          v) a oposição a interesses particulares e clientelas partidárias;

          vi) a recusa de benefícios pessoais pelo exercício de cargos públicos, a par do combate a formas de gestão marcadas pelo nepotismo, pelo autoritarismo e pelo abuso de poder;

          vii) o funcionamento colegial dos organismo autárquicos.

 

Este último ponto, o do funcionamento colegial, decorrente do disposto na Constituição da República (artigo 239) e da lei específica que enquadra as autarquias locais, é um ponto fundamental. A divisão de poder e de responsabilidades é um elemento básico para prevenir o clientelismo, o nepotismo, o autoritarismo, o abuso de poder e outras formas antidemocráticas e ilegítimas, ainda que tenham lugar após a realização de um ato eleitoral; ao mesmo tempo que fomenta a convergência de esforços e sinergias para o progresso local. O trabalho em minoria nas autarquias é, pois, um dos pilares principais que garantem o regular funcionamento do Poder Local Democrático de Abril.

 

Luís Morais

(eleito da Coligação Democrática Unitária

na freguesia de Rio de Mouro)