A central nuclear espanhola de Almaraz (Cáceres), localizada a escassos 100 quilómetros da fronteira com Portugal (distrito de Castelo Branco), começou a ser construída em 1973 iniciando a laboração na década seguinte. Um dos reatores está a funcionar desde 1983 e o outro desde 1984 (ou seja, há mais de 30 anos), tratando-se da mais antiga central espanhola e de uma das mais antigas da Europa.

 

A central usa como combustível o urânio. O urânio, por fissão do núcleo do átomo (numa reação em cadeia), liberta energia (calor) que aquece água que, transformando-se em vapor, cria alta pressão que faz movimentar a turbina que produz eletricidade. Essa água é refrigerada assim como o reator tem de estar dentro de limites de temperatura. Dessa fissão (ou quebra do núcleo atómico) resulta na produção de material radioativo.

 

Esta central nuclear, uma das cinco que estão no ativo em Espanha, responsável por 7,6% da energia produzida no país vizinho, ultrapassou há muito o seu período de vida útil e deveria ter sido encerrada em 2010, contudo a sua licença foi prolongada pelo estado espanhol até 2020. Para além do aspeto da antiguidade, que por si já gera menores condições de segurança, é do conhecimento público que, desde que entrou em funcionamento, a central de Almaraz tem problemas de segurança recorrentes. Os reatores desta central são idênticos aos da central de Three Miles Island (EUA) que sofreu um acidente nuclear em 1979, um dos mais graves, juntamente com Chernobil e Fukushima.

 

Em janeiro de 2016, aquando da ocorrência de novos problemas com o sistema de refrigeração da central nuclear, que falha regularmente, cinco inspetores do Conselho Nacional de Segurança Nuclear do Estado Espanhol vieram a público referir que o sistema de refrigeração não dá garantias suficientes e que coloca sérios riscos de segurança.

 

Entre 1983 (entrada em funcionamento do primeiro reator) e 2017 ocorreram inúmeros incidentes contribuindo para o estado de degradação da central. Com estes incidentes verificaram-se fugas de radioatividade e de água contaminada, embora nunca assumidas pelo estado espanhol. São frequentes as avarias implicando paragens dos reatores, incêndios de geradores, falhas no sistema de refrigeração, entre outros. Só nos últimos meses ocorreram sete incidentes, um deles de grau um de perigosidade, numa escala de zero a cinco.

 

Recentemente o governo espanhol autorizou um projeto de construção de um Armazém Temporário Individual (ATI), de resíduos nucleares na central de Almaraz, com evidentes impactos e riscos transfronteiriços, ignorando o Governo e a população de Portugal, incumprindo os procedimentos de Avaliação de Impacte Ambiental (AIA) devido à envergadura de um projeto com esta natureza. Esta decisão de Espanha motivou a formalização de uma queixa do Estado português à Comissão Europeia, pois a nova diretiva comunitária obriga os estados membros da União Europeia a consultarem os países vizinhos sempre que estejam em causa decisões com efeitos transfronteiriços. Entretanto, esta queixa foi retirada mediante acordo com o estado espanhol que se comprometeu a não avançar com o armazém para resíduos nucleares na central até que as autoridades portuguesas tenham analisado informações pertinentes e visitado as instalações, visita que se realizou no passado dia 27 de fevereiro.

 

Para além dos impactos do aterro temporário de resíduos nucleares, a decisão de autorização deste projeto do ATI pelo governo espanhol está a ser encarada também como uma pré-autorização para prolongar o período de funcionamento da central nuclear de Almaraz para além de 2020 o que irá acentuar ainda mais os riscos de acidente. O prolongar do período de vida desta central constitui uma irresponsabilidade e uma ameaça nuclear muito considerável também para Portugal, pois a poluição nuclear não conhece fronteiras.

 

Um acidente nuclear nesta central teria efeitos catastróficos no nosso país, em particular nos municípios dos distritos de Castelo Branco e Portalegre, tendo em conta a proximidade à fronteira portuguesa e ao facto de recorrer às águas do rio Tejo (barragem de Arrocampo) para o seu sistema de refrigeração, o que aumenta ainda mais a sua perigosidade nomeadamente para os muitos municípios ribeirinhos que são banhados pelo rio Tejo.

 

Entre os efeitos prejudiciais à saúde humana em consequência da radioatividade estão o cancro da tiroide e outros incluindo tumores cerebrais, diminuição da imunidade do organismo, alterações nos padrões reprodutivos, malformações nos fetos, entre outros problemas.

 

Segundo especialistas, em caso de acidente nuclear em Almaraz, a nuvem radioativa, dependendo da direção dos ventos, poderia chegar em cerca de três horas ao nosso país afetando em primeiro lugar os distritos de Castelo Branco e Portalegre. Esta evidência é preocupante pois as entidades e população no geral, sobretudo junto à raia, não estão preparadas para lidar com uma catástrofe desta natureza.

 

Embora o Governo garanta que há medidas de emergência, inseridas num plano global, e equipamento para o caso de acontecer um desastre nuclear em Almaraz a verdade é que estas medidas são desconhecidas pela população e entidades locais, mesmo pelos bombeiros, elementos fundamentais na resposta às pessoas em caso de acidente.

 

Em países europeus onde o risco nuclear e radiológico é acentuado, normalmente existem planos de emergência específicos que são acompanhados com a implementação de ações concretas com a finalidade de informar, educar e preparar a população para uma possível situação de crise.

 

Embora seja necessário medidas aplicar medidas do lado português envolvendo claramente a população, algo que não se tem verificado, a maior eficácia será sem dúvida o encerramento da central nuclear de Almaraz, já em 2020, não prolongando o seu funcionamento como pretendem as grandes empresas energéticas de Espanha proprietárias da central: Endesa, Iberdrola e Unión Fenosa.

 

 

 

Miguel Martins