O problema central, que é o do direito constitucional à saúde, tem sido escamoteado, ora por promessas incumpridas, ora por cenários que, a concretizarem-se, não respondem às necessidades os utentes, abrem antes caminho à instalação de unidades privadas, que não garantem o acesso de todos à saúde.

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Vigília pela construção do hospital público de Sintra (jan/2015) / CUSCS

 

Em entrevista ao Jornal de Sintra de 11 de abril de 1986, a vereadora do pelouro da Saúde da Câmara Municipal de Sintra, Vera Dantas, defendeu que o Hospital de Sintra então existente não satisfazia as necessidades da população. As 57 camas eram já manifestamente insuficientes para os 260 mil habitantes da altura. Hoje, passados 30 anos, o problema está substancialmente agravado. O Hospital Fernando da Fonseca (Amadora-Sintra), inicialmente projetado para satisfazer uma população de 350 mil habitantes, é obrigado a dar resposta a uma população de mais de 550 mil habitantes. Este quadro é ainda complicado pela precária rede de cuidados de saúde primários do município de Sintra. Faltam médicos, faltam enfermeiros, faltam assistentes técnicos e operacionais nos Centros de Saúde. Entre 90 a 100 mil sintrenses não têm médico de família e o hospital é sobrecarregado pela procura de cuidados de saúde primários. Não falemos das condições materiais resultantes do subfinanciamento crónico do Serviço Nacional de Saúde, nem das especialidades médicas cuja prestação foi descontinuada, nem tampouco dos profissionais de saúde em falta.

 

O antigo hospital encerrou no início dos anos de 1990. Ao longo dos últimos 20 anos, várias manchetes de jornal fizeram eco de inúmeras promessas, muitas delas com direito a lançamento de primeira pedra ou a pré-inauguração com o cartaz do costume: «Aqui vai ser qualquer coisa!». Em 12 de março de 1999, o Jornal de Sintra titulava: «Guterres promete hospital e inaugura Centro de Saúde». A 16 de dezembro de 1999, o Jorna de Notícias reportava: «Hospital de Sintra arranca em 2000. A garantia foi dada por Edite Estrela na Sessão da Assembleia Municipal». A 1 de maio de 2003 o «Hospital em Sintra está garantido», a 13 de junho do mesmo ano a promessa era mais abrangente: «Braga, Sintra e Algarve são os hospitais para 2004». A 3 de janeiro de 2007, o jornal Público anunciava «Sintra vai ter novo hospital». O Notícias da Manhã do dia seguinte era mais contundente: «Ministério da Saúde anuncia novo hospital em Sintra. Unidade a gerir por privados.». A 24 de janeiro de 2008 podia ler-se nos jornais «Partidos saúdam futuro Hospital de Sintra. O futuro Hospital de Sintra reúne um consenso quase completo entre as forças políticas de Sintra. A decisão de construir uma unidade hospitalar com capacidade para 150 camas, anunciada na última segunda-feira pelo ministro da Saúde, Correia de Campos, obtém o acordo de PS e PSD.».

 

Recentemente, no limiar das próximas eleições autárquicas, despertámos com uma nova notícia. Sintra vai ter um hospital. É agora que a promessa de 20 anos vai ser cumprida! Ah, não, espera… afinal não é um hospital. O ministro da Saúde declara perentoriamente tratar-se de um pólo hospitalar do atual Hospital Fernando da Fonseca e contradiz o dr. Basílio Adolfo Horta, que anunciou com toda a pompa e circunstância que agora é que era a sério um hospital com 50 ou 60 camas (57 já não eram suficientes em 1986). «Então, mas não é melhor um pólo hospitalar do que nada?» -  poderão perguntar os mais distraídos, que não se aperceberam que o Serviço de Urgência Básica da antiga fábrica Messa vai encerrar. Quanto ao Orçamento de Estado para 2017 já sabemos não ter cabimentadas as verbas para tal hospital e o orçamento de 2018 ainda está muito longe. Não é por acaso que a Comissão de Utentes de Saúde de Sintra defende que «não basta colocar a primeira pedra, que é preciso avançar com a obra e construir um hospital à medida das necessidades».

 

À semelhança do que acontece noutros municípios do país, também em Sintra a população tem lutado pela construção de um hospital público, embora, muitas vezes, sem o apoio da Câmara Municipal ou das Juntas de Freguesia, contrariamente ao que se verifica noutras zonas do país onde existe um grande envolvimento das autarquias ao lado das populações na sua luta pelo direito à saúde. São conhecidos os plenários, sessões de esclarecimento, debates, vigílias e manifestações que têm tido lugar ao longo dos últimos anos. Ainda no ano passado, uma força política, a CDU, promoveu um abaixo-assinado exigindo a construção de um hospital público com 350 camas. Foram recolhidas mais de 10 mil assinaturas que foram entregues no Ministério da Saúde.

 

O problema central, que é o do direito constitucional à saúde, tem sido escamoteado, ora por promessas incumpridas, ora por cenários que, a concretizarem-se, não respondem às necessidades os utentes, abrem antes caminho à instalação de unidades privadas, que não garantem o acesso de todos à saúde. A solução de alargamento do Hospital de Cascais (gerido em regime de parceria público-privada) revela uma opção clara de benefício do negócio e do lucro privado na saúde, com a já conhecida prática de socialização dos investimentos e dos prejuízos. É por isso que se impõe a necessidade de ser construído um hospital público em Sintra, com 350 camas, de modo a assegurar uma boa resposta do Serviço Nacional de Saúde.

 

A manchete do Jornal de Sintra de 6 de fevereiro de 2015 resume o problema da melhor forma: «Sintra luta por um hospital público». É isso mesmo. É um hospital. É público. E só lutando por ele o conseguiremos.

 

 

 

Luís Morais

(Membro da Assembleia de

Freguesia de Rio de Mouro)